quarta-feira, 30 de maio de 2007

4h33

4h33. O telefone toca. Aquela música dos beatles parece agora mais estridente e irritante do que nunca. Olho no visor: P.Cel.

-Você é feliz?

Claro que sou feliz. Às quatro e meia da manhã todo mundo é feliz. Mas, eu não poderia responder isso senão ele ficaria desconfiado. Simulei um "não, não estava dormindo, não se preocupe seguido por "também estou com muitas saudades." Tento emendar um "como vai a casa nova?", mas ele é insistente:

-Você é feliz?

Sou, Pan. (Claro que sou, tenho que ser. Não abandonei a casa de papai e mamãe, o discreto charme do biscoito recheado, para desistir no meio do caminho porque não sou feliz). Sim, eu sou feliz.

-Mas, você é feliz mesmo?

Como explicar a ele, bêbada de sono, que, para mim, a felicidade de cinema,de estourar rolhas de champagne, é ocasional e não constante (rotina não é sinônimo de felicidade, definitivamente); porém, eu estou bem por saber que no lugar onde estou, terei boas oportunidades de ser realmente feliz? Como dizer isso sem ele pensar que eu esteja tentando mascarar algum tipo de melancolia?

(Digo que estou trabalhando, e que isso é bom, ocupa a mente, produz dinheiro. E que com esse dinheiro, vou viajar, conhecer o mundo, comprar livros e filmes, reformar a casa - momentos de felicidade).

(Não digo que estou com saudade dele e dos outros, saudade da facilidade de viver, onde tudo era servido em bandejas de prata e mamãe me levava ao colégio, no caminho assobiava beatles. Não vou dizer isso, senão ele vai pensar que não estou feliz, o que não é o caso; ou apenas, como qualquer outra garota que já foi mimada, sinto falta do tempo em que todos passavam a mão em minha cabeça.)

(Não sei se conto para ele das minhas colegas de faculdade. Ele, provavelmente, iria rir e dizer que os tolos existem aos montes, por aí. Não é o caso de me preocupar com eles).

Ele pergunta:

-Você está feliz?

Eu respondo:

-Sim, muito feliz.
E você? Está feliz?

-Muito. Muito feliz.
minha bíblia.
(primeira edição brasileira.
mamãe já sabia que sua filha seria cineasta.)

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Quando eu tinha quinze anos - ou treze, não me recordo bem, a esposa do meu pai me disse que eu não teria muitos amigos na minha vida devido a minha inteligência. E que meus amigos seriam fiéis, e de longa data, pois eles também teriam poucos amigos devido as suas respectivas inteligências. Na época, eu estava em uma fase popzinha da vida, e acenei com um 'uhum'. Hoje, eu vejo que as mulheres de peixe conhecem a humanidade. Pessoas burras me irritam. Antigamente, eu tinha paciência com pessoas ignorantes; esvaziou-se o saco. As pessoas da PUC, por exemplo. As pessoas que me conhecem geralmente me acham mais velha, e sempre dizem: 'não é o seu rosto ou o seu corpo, mas o seu jeito e modo de falar que demonstram uma maturidade maior do que dezenove anos'. Sempre convivi com pessoas mais velhas, e na respectiva universidade, eu convivo com meninas que vão dos dezoito aos vinte e dois. Parece pouco. Mas, não é. E, ainda tem esse fato: eu convivo com meninas. My whole life, i've been with boys. Eu falo como homem. Eu penso muitas vezes como homem. Eu ajo muitas vezes como homem. Eu gosto da compania de homens - eu me acostumei a viver entre homens. E agora estou aqui, perdida entre mulheres, que fazem picuinha por tudo e por todos.

-Você gosta de Velvet Undeground?

-Hum?

- Velvet Underground, Lou Reed, Nico.

-Olha bem pra minha cara. Você acha que eu gosto do quê? Hip hop e funk? Acertou.

Jesus amado, onde vocês passaram os últimos dezoito anos, criaturas? Enfurnadas em casa, vendo Tv Globinho - ou qualquer merda que passe na tevê, pois há muito eu perdi esse tenebroso hábito, e Malhação e saindo aos sábados para as bôátchis da moda? Sem ler um livro, sem ver um filme, sem escutar música que preste? Honestamente, se fosse qualquer outra profissão que vocês quisessem, tipo engenharia - pra quê conhecer Velvet Undeground quando se é engenheiro, não é mesmo, minha gente? - mas vocês fazem comunicação, porra! É dever de vocês ao menos saber quem foi Clarice Lispector, Beatles, Andy Warhol, Umberto Eco, Fellini, Kubrick, Truman Capote, Bob Woodward e Carl Berstein, Jim Morrison, Janis Joplin e Jimi Hendrix, Coco Chanel, Assis Chateaubrind, Samuel Wainer - ah, chega, cansei. Nessas horas, eu me lembro da Ufba. Não do curso, obviamente, porque eu quero mais é que aquela porra afunde cada vez mais na lama que é, mas das pessoas que o freqüentavam. Quando eu conheci a Bia, e ela me contou que morou dois anos em Londres, e de toda a sua experiência e das loucuras que a Inglaterra era feita, eu sentia uma inveja. Inveja boa, sabe? Gostava de tomar uma cerveja com ela e ouvi-la falando sobre tudo, sobre as loucura de ter partido de casa, vendido o carro para experimentar algo novo. Ela era dois anos mais velha que eu, e já tinha vivido tanto. Eu me achava tão... pequena. Dona Fernanda, com seus três anos a mais que eu, também nunca tinha ido a lugar nenhum, mas amava - e ama - tanto aquela terra e os seus costumes e as suas crenças que eu tinha uma inveja tão grande: queria eu poder amar daquele jeito o meu lugar de origem, queria eu acreditar tanto em uma coisa e pôr tanta força que a minha vida depende daquilo, queria eu ter a força de PC... E Zon, minha linda mistura de francesa com mineiro que deu no que deu: hoje ela passeia pelo mundo, já esteve em Paris, e agora está em Barcelona, sempre feliz, sempre curtindo, sempre leve, toda a sua vida é um passeio. Como eu sinto saudade delas. Cada uma de nós tinha uma força que nos movia - a minha, no caso, era sair de lá a qualquer custo - e independente das diferenças internas, éramos uma quadrilha inteligente. Articulada. Movida a cerveja.


L.diz:
eu tava discutindo com a mesma menina do hip hop sábado. ela queria que eu fosse a um churrasco na BARRA DA TIJUCA e faltasse ao meu trabalho.

L. diz:
eu disse que não, que meu trabalho era mais importante que qualquer merda de churrasco que inventassem, ainda mais que eu não como carne e nem conheço o dono da casa.

.juliana. diz:
e queria te fuder no cu tb

L. diz:
e ela: ahhh, mas vc só tem 19 anos.
e eu: e eu aproveitei bastante os meus dezenove. minha forma de diversão agora é trabalhar, juntar dinheiro e viajar o mundo, comprar livros, filmes e uma câmera 35mm. valeu?

domingo, 27 de maio de 2007

eu tenho dezenove anos, hoje é o último domingo de maio, dia 27, e em vez de estar lendo uma matéria de oito páginas da vanity fair sobre os ataques do pcc a são paulo, no ano passado, eu estou saboreando uma stella artois - sozinha - e ouvindo velvet underground bem alto e gritando: held held high!

que vergonha para a nação.

que vergonha para papai e mamãe.

(daqui a pouco eu vou comprar um pastel de queijo, se criar coragem. beber de barriga vazia é ruim.)

sejamos coerentes: eu trabalho, eu estudo, eu faço filme, eu escrevo resenha crítica sobre filme dinamarquês e que toma toda a minha manhã de sábado. nada mais justo que eu passe o domingo ao lado da stella artois vendo back to the future 1, 2 e 3.

nada mais justo.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

já no msn...

L. diz: tô discutindo garden state com uma amiga minha

L. diz: lembrei de tu

juliana diz: ah cara

juliana diz: esse filme é coração

juliana diz: comprei o dvd

L. diz: foi?

L. diz: eu NUNCA vi pra vender

L. diz: eu vi ghost world aqui, vendendo tal água

L. diz: mas garden state...

L. diz: a gente tava discutindo a questão do quero-alguém-que-saia-do-vôo-por-mim

L. diz: e eu disse que o problema é que a gente aprendeu a amar vendo filme, e que a vida real é completamente diferente

L. diz: e ela disse que o que mais a deprime é o cara do velcro silencioso. que tem aquela fortuna e não sabe como gastá-la.

L. diz: e agora eu fiquei na dúvida sobre o que me deixa mais bolada.

juliana diz: o que me deixa bolada é saber que ninguém nunca vai mudar minha vida em três dias

L. diz: eu não acho que a gente, pessoas normais, do mundo real, algum dia> na vida, vá encontrar alguém que a mude em três dias.

juliana diz: se não dá pra ter então eu não quero que mostrem no filme

L. diz: mas o filme é ilusão...

L. diz: que a gente quer, muito, muito que seja verdade

L. diz: mas, hoje, eu creio piamente que meu marido não vai dormir na porta da minha casa pra me reconquistar, estilo last kiss.

L. diz: as pessoas, na vida real, simplesmente _não_ fazem isso.

juliana diz: ah cara, meu pai deixou de trabalhar 3 dias porque minha mãe disse que assim que ele saísse de casa, ela fugia.

juliana diz: ele ligou pro quartel dizendo que tava doente

juliana diz: hahahaha e sabe por quê ela queria fugir?

juliana diz: porque ele obrigou ela a matar baratas e perder o medo

juliana diz: HAHAHAHAHAHAHA
Eu tenho sede, muita sede.

Eu sinto saudade, muita saudade.

Tenho sede do mundo. sede do seu beijo.

Sinto saudade daquele violão enfurecido rugindo na madrugada, e das baladas de loucos, e das vozes loucas - minha e sua - criando refrões, refrões, e versos e refrões em cima de tudo, de todos e do nada.

Tenho sede de rasgar a sua roupa. naquele colchão cheirando a úmido de um terraço feio e mal cheiroso, ouvindo beatles até o amanhecer e saindo correndo depois, para não sermos queimados pelo sol. sede de você.

Sinto saudade dos teus cabelos loiros sempre desalinhados, desarrumados e você me dizendo que eu fico muito melhor sem creme nos cabelos - é o caos, e o caos combina com você, l.

Sede, saudade, salvador, itália.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Ai, ai. Nada mais me surpreende depois dessa.

Estou eu, quieta no meu canto, quando me liga a namorada de um amigo, pedindo o telefone do meu namorado que está com ele.

-Por quê?
-Porque o meu não atende o celular.

Olhe que esse casal era a minha única esperança no mundo: ele, um porra-louca da vida, espalhava aos quatro ventos que ela tinha sido sua salvação.

A curiosidade mórbida me faz ligar antes.

-É pra dizer que eu vou dormir aqui, não que eu vou voltar pra casa.
-Por quê?
-Porque não quero falar com ela hoje.


Dear God. Enfiaram-me dentro de The Last Kiss, e eu não sabia.

É, Maysa, tô contigo. Meu mundo caiu.

domingo, 20 de maio de 2007

uma confissão.

"É sempre assim. Eu sempre faço o papel da mulher descolada, amiga, mo-der-na, mas que sempre acaba sozinha no domingo à noite. Outro dia comentei com uma amiga, no café, que o meu problema não é ser sozinha, pois isso eu sei, sinto, que sou uma solitária por natureza, meu corpo e minha alma estão impregnados de solidão, mas dói estar sozinha. E essa dor muitas vezes provoca uma carência e uma honestidade que muitas pessoas não conseguem lidar. Ou talvez isso seja mais uma desculpa esfarrapada para o fato de que eu sempre fico em segundo plano when it comes to relantionships. Eu sou honesta demais, e esse é o meu problema. Eu não sei fazer jogos, eu não sei fazer não-olhares, eu não sei não-gostar quando não deveria, não sei não me entregar quando não deveria, e acima de tudo, não sei amar quem eu não deveria. E me entrego, com todas as forças, mesmo sabendo que não, mesmo sabendo que não posso - mesmo vendo e ouvindo que irei me magoar. Aprendi a amar baseada no cinema, em todas estas comédias românticas onde o homem se descobre apaixonado pela mulher menos notada, mais infeliz, e faz tudo para chamar sua atenção; eu preciso de alguém que venha com uma caixa de som para tocar nossa música predileta, de alguém que durma na porta da minha casa até eu abrir; esse tipo de amor. E erradamente, todos esses anos, tudo que eu recebo são esmolas de amor. São prazeres. Simples, imediatos, finitos. Que acabam no dia seguinte, com um beijo na testa. E fica esse buraco, nessas paredes vazias. Brancas. Talvez, liberdade, um dia, eu consiga - talvez, todo o meu conceito de liberdade esteja errado, e o que eu preciso seja mesmo me libertar das minhas próprias manias, e a principal delas seja a auto-sabotagem. E isso inclui desde os livros que eu leio até os homens por quem eu me apaixono."

ass: uma mulher. qualquer uma.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

for you, and only for you.

In many ways, i miss you. Once upon a time, i used to be in love with you, but life is funny - you're gay and i'm married. Remains my best friend and with all my heart i hope life can be for you as great as it is for me nowadays. I wish i could have you here. Life becomes meaningful when you're around. I love you. From the bottom of my psicodelic heart.

sábado, 12 de maio de 2007

Certas coisas não mudam, não importa a época ou o local. A minha constante sensação de insegurança, a constante certeza de que alguma hora eles - e por eles entende-se toda a população relacionada a minha pessoa - vão descobrir o quão desinteressante eu sou, e que os estava enganando esse tempo todo.

Sendo assim, a minha vida muitas vezes acaba sendo uma passarela de frustrações intermináveis, tudo para agradar os outros. Roupas que eu uso, opiniões que eu reproduzo, apenas para prolongar a descoberta inexorável que um certo dia virá.

E meu cartão de crédito chora. Como uma boa brasileira, eu sou eternamente endividada.
Aline - Eu tenho medo de descobrir que o grande amor da minha vida não passou de um desperdício de tempo.

Juliana - Porra, no mínimo, você amou e foi amada.

A - E daí? Eu poderia ser amada por milhares de outras pessoas, de milhares de outras formas que me fariam ver o mundo através de milhares de formas diferentes.

J - Então, termina.

A - Mas, eu tenho medo de ele realmente ser o grande amor da minha vida e eu ter despediçado por um 'lust for life'.

J - E por isso você vai ficar em cima do muro? Querendo ficar com o cara, mas desejando todo e qualquer ser que passe pela sua frente?

A - Tem outro jeito? Como eu posso ter certeza que o amor vai durar e que vai corresponder a todos os meus anseios?

J - Porra, você não tem. Óbvio que não tem. Se você tivesse, não existiriam divórcios.

A - Isso que me dá medo.

J - A você e meio mundo.

domingo, 6 de maio de 2007

Cinema, Chanchadas e Distribuidoras

“O público não tem ojeriza ao cinema”, afirma André Mielnik, 22, estudante do nono semestre da PUC-Rio e diretor de cinema (já dirigiu um curta metragem e está envolvido na produção de dois outros filmes). E continua: “Porque não é possível chegar ao público brasileiro diante do mercado que a gente tem, diante das formas que a gente tem de produzir e de exibir”.
O cinema brasileiro cresce a olhos vistos desde a retomada. Em 2002 conseguiu a fascinante marca de 1 milhão de espectadores para Cidade de Deus e em 2004, 2 milhões e meio para 2 Filhos de Francisco. Ainda assim, há um preconceito muito grande por parte do público brasileiro em relação ao próprio cinema. Isto foi comentado pelo ator Caio Blat e o diretor Jorge Duran na exibição do filme “Proibido Proibir”, na PUC-Rio[1]. Como atingir este público e aumentar as marcas de bilheteria ainda são incógnitas para todo estudante de cinema.
Para André, o problema reside tanto na temática dos filmes quanto na política de distribuição e exibição – os filmes brasileiros têm distribuidoras internacionais que privilegiam suas próprias produções. Porém, tais produções não interessam ao público de baixa renda porque não refletem quem eles são. “Eles não se vêem como soldados da II Guerra Mundial, ou patricinhas de Beverly Hills - eles não se vêem num romance de Nova York”. Produções recentes, como O Céu de Suely também não refletem os pensamentos desta população porque traz certos questionamentos que não cabem a estas pessoas; por outro lado, reflete, a chanchada trazia críticas sociais fortes em uma linguagem que dialoga com estas pessoas. E ainda há o problema do preço e da localização das salas: não há espaços para a exibição de filmes no subúrbio e o ingresso cobrado é muito alto para um trabalhador que ganha um salário mínimo.
O estudante não acredita em uma possível industrialização do cinema pela Globo Filmes e afirma que se houver alguma industrialização, esta será bem-vinda, pois o cinema é um mercado e deve agir como tal. Ser mercado, para ele, é poder fazer todos os tipos de filmes e existir público para todos esses tipos. Ele não acredita numa padronização do cinema brasileiro – apesar de algumas críticas a filmes como Se Eu Fosse Você, Muito Gelo e Dois Dedos d’Água, Fica Comigo Esta Noite e Zuzu Angel[2] terem noticiado isto – mas numa padronização do cinema americano que cria um certo medo na classe que quer trabalhar com a sétima arte no Brasil.
Por fim, O Céu de Suely, O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, Cinema, Aspirinas e Urubus, Entreatos, O Fim e o Princípio e Cidade Baixa são filmes nacionais recentes que chamaram a atenção dele pela convergência de tema e de linguagem: são filmes que dialogam com um Brasil já conhecido e um Brasil por conhecer. Afinal, segundo Mielnik: “O cinema é uma linguagem universal, é um contato que você consegue fazer com uma cultura do outro lado do mundo, que te leva para uma camada do que é o ser humano do outro lado do mundo”.


[1] Exibição do filme Proibido Proibir no auditório do RDC na PUC-Rio, no dia 19/04/2007, seguido de debate com o ator Caio Blat e o diretor do filme Jorge Duran.
[2] Urariano Mota: Zuzu Angel, segundo a crítica. http://www.lainsignia.org/2006/agosto/cul_012.htm
Ana Paula Conde: À sombra da televisão. http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2498,1.shl
Um senhor negro batuca o pandeiro, entre fumaças de ônibus e carros desagradáveis, um garoto um tanto bêbado um tanto alegre, puxa o samba e um mendigo completamente embriagado toca o tamborim. Completa uma senhora loira e farta que é a responsável pelo reco-reco. Começam baixinho, cantando um samba devagarinho, meio de mansinho, assim, sobre um amor que passou. Uma mesa se entreolha - mas que barulho é essa na distinta Gávea, minha gente? - e na outra mesa, três garotos observam. Vão aumentar o som? O senhor do pandeiro se empolga. samba no pé, faz malabarismo com os dedos, samba no asfalto como se estivesse no céu, como se tivesse morrido, chegado perto de São Pedro e ele tivesse dito: bem vindo, raimundo! Agora toca o pandeiro. E ele entra, cheio de classe. O menino mais parece querer impressionar as menininhas que saem da PUC cheias de graça, e por algum acaso do destino param no depósito para beber uma cerveja - ou uma água mineral. Ainda assim, ele canta, cheio de marra, cheio de trajeitos: é o novo bezerra da silva! O volume aumenta. Mais gente chega. No primeiro momento, eles tentam ignorar, mas agora o samba chegou num volume tal que é impossível ignorar: ou vai embora ou se rende. Não deixe o sambar morrer, não deixe o samba acabar, é o que canta o menino e acompanha o reco-reco da senhora loira, farta e de roupas brancas. O Raimundo do pandeiro pára tudo: o tamborim está errado - o responsável por ele comenta, num canto de olho com uma menina próxima: é que eu bebi cachaça o dia todo, não tô conseguindo raciocionar, minha nega. Ela ri. Eles recomeçam - bota outro lugar! Ô neguinho, sabe sambar? Não é dançar, não, meu amigo, é tocar! Pô, vou tentar. Se aproxime, então, mostre todo o seu valor. Não mostra. Uma vez, duas vezes - na terceira, o pandeiro se sentou no lugar do tamborim, e o menino agora é responsável pela voz e pelo pandeiro. A mesa da frente acompanha. Uma menina faz pedidos, bate na mesa, falta a caixa de fósforos, mas nessa idade todo mundo tem isqueiro, canta a música, bate palma, e até samba. Samba, sim senhor, samba no pé, mesmo sem saber sambar, vai de porta-estandarte que nessas horas sempre se aparece um mestre-salas... Ihh, a conta chegou, deu pra lá de vinte, o samba ainda não acabou, era só a parcial mesmo, desce mais uma que agora empolgou. Pra pisar nesse chão devagarinho... Outras meninas chegam: algumas com cara de barbie, outra de suzy, outras de ana maria braga. Encostam, vão falar com o mocinho de voz de da silva, ele não liga, quer mais é beber e cantar - fumar não, que a voz vai embora - e elas ficam, de mini saia e salto agulha, sem entender direito o que é aquilo, porque aquele homem com cara de feio, com cara de velho, com cara de pobre está no meio do bar, está no meio da roda, está com um pandeiro e não está prosa, está rindo e está sambando. E vão se afastando lentamente para não ser contaminadas pela feiúra, pela pobreza e pela velhice daquele pandeiro, daquele reco-reco e daquele tamborim. Êta, passou das onze, tem que pegar o ônibus, mas só mais uma música... que nada! O ônibus não espera, mas o samba continua - a cerveja gelada, o samba no ponto e o riso na cara, em meio a fumaça do ônibus, em meio ao desprezo da saia.