terça-feira, 30 de dezembro de 2008

- so, what you did?

- i took a long breath and let it go.

- did it hurt?

- of course, but it wasn't as hurtful as wound your feet with stars.

(da vontade de voltar a falar de cinema)

* gomorra é áspero. como um bom rock n' roll pode dilacerar a garganta lentamente; apenas que aqui toca um eletro italiano tosco e ruim. apesar de ser filmado em estilo documental, matteo garrone construiu ângulos BELÍSSIMOS, especialmente quando filma de cima. as tramas são bem construídas e muito bem laçadas, nem tão independentes, nem tão forçosamente interligadas. os mafiosos nunca foram tão dilaceralmente revelados à luz de 35mm.

* be kind rewind é o filme mais bonito da história do cinema se você é um cineasta. filme feito por apaixonados para apaixonados, em uma linguagem tão simples (e ao mesmo tempo, que plano-seqüência DELICIOSO!) que a platéia inteira gosta. göndry controlou jack black onde devia e deu carta branca ao mos. contudo, o mais incrível de be kind é mostrar o que é cinema, de uma das formais mais simples e belas. comecei a chorar no "monday" e só terminei no fim dos créditos. cinema paradiso perdeu aqui.

* marley & eu foi bem construído na medida em que desviou a atenção do cachorro para narrar os altos e baixos de um relacionamento. mas owen wilson não dá. e a edição poderia ser tido mais bem feita. há horas em que dá vontade de rasgar a tela, chamar o montador e dar uns belos tapas na bunda pra ver se aprende.

* eu gostei de vicky cristina barcelona. mesmo. mas acho que o allen construiu esse estereótipo da scarlett johansson e está repetindo ad infinitum. assim, eu acho que ela consegue ser melhor do que isso - americana / artista / liberal / à procura do amor. se fosse na tevê, era capaz de fazerem um seriado juan antonio & maria elena.

* ainda estou à procura do documentário que meu mestre cláudio assis fez em 2007. passou por UMA SEMANA no rio e eu apenas o descobri um dia depois do encerramento. alguém pode me ajudar?

sábado, 27 de dezembro de 2008

O mundo não melhora com você porque seu gato morreu. Ou porque seu pai está com câncer ou seu avô tem alzeheimer e pensa que você é sua mãe. Os sinais continuam fechados no exato momento de atravessar a rua e nada de mágico acontecerá para reforçar sua crença na vida - contente-se com o fato de estar vivo e apenas isso. As rosas não se tornam mais vermelhas para agradar sua falta de fé na humanidade; mas os olhos deverão ser treinados no sentido de entender que beleza é superior à morte, ao câncer, à matança do tempo.
na linguagem baiana, zig é uma expressão fundamental. 'dar o zig' significa sair discretamente, sem alarde - à francesa. geralmente se dá o zig de algum lugar ou em alguém. aliás, foi nina quem me chamou a atenção para a segunda modalidade do zig; certa tarde, quando a chamei para me acompanhar em uma cerveja, nina respondeu que estava presa em casa, mas que ia tentar dar o zig na mãe.

e então veio o clique. eu estava tentando dar o zig na MINHA vida.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

descobri uma modalidade de vida MUITO interessante: viajar com amigos de infância.


mais a seguir.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

prometi meus sonetos a você
mas que piada:
mal a mal sei conjugar
alguns verbos.

a lembrança do verde
porém
constrói esse abismo
inestimável
entre nós
e a selvagem realidade

- aquece um pouco
meu amargurado coração.



(para sempre, seus olhos.)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

razões pelas quais salvador não faz bem a uma pessoa:

- em sete dias deste clima, já fui internada no hospital com faringite;

- ir ao cinema em salvador é como feira: a fila de trás comenta a da frente, a mulher ao lado oferece pipoca para o homem ao lado, ninguém entende o filme dos coen, e no final todos vão comer pizza;

- o dito melhor hospital da bahia demora DUAS HORAS para atender a um ser humano se contorcendo de dor;

- e mais UMA HORA para dar um pouco de alívio com um soro milagroso;

- o caderno 2 do incrível jornal A TARDE se resume em: meia página de filmes velhos, duas colunas de exposições - todas, absolutamente TODAS sobre orixás -, uma coluna de teatro, sendo que TODAS as peças caem naquele sexologismo barato de rimar todos os versos com pau e buceta;

- a rodoviária não SABE ME DIZER se há ônibus direto para ouro preto ou para belo horizonte. simplesmente a atendente não sabe que cidade é OURO PRETO. 'ô, minha neguinha, espere um momento que eu vou perguntar se alguém conhece. como é o nome mesmo? ouro o quê?'

adeus.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

ah, esses pernambucanos.

não gosto de dizer 'cinema italiano' ou 'cinema brasileiro' ou 'cinema chinês'. é raso. é como colocar no mesmo saco pessoas de miradas, vidas, amores e ódios tão diversos.

mas acontece algo diferente com cláudio assis, paulo caldas, karim äinouz. ainda que eu não seja pernambucana, eles estão tratando de mim. ali, exposta, enorme. na bruteza completa do ser e ainda assim, na maior delicadeza possível. as tintas fortes, secas, quentes contrastam com o marrom pálido - quase barro - dos olhos das heroínas. são sempre mulheres, vocês sabem, não é?

na sala de 'deserto feliz', inicialmente, havia uma pessoa. ao final, também uma pessoa - apenas eu. todas as outras quatro foram embora antes do fim. lembro-me que em 'baixio das bestas' havia pouquíssimas pessoas também. que pena, que pena. parece-me que há um grande muro, cinza, feio, tapando a visão desses seres.

eu não vejo essa mesma linha de pensamento nos filmes paulistas, p. exemplo. estão todos - ok, há exceções - muito preocupados em retratar os mundinhos estranhos de seus personagens. não há nada que una essas pessoas, esse cinema, essa arte. faz sentido?
desci do avião ouvindo fletwood mac, rumo a essa viagem completamente sem roteiro. e sem objetivo, as well.

boa coisa não deve significar.

primeira parada: passado. ha-ha-ha. tão irônico iniciar uma viagem pelo túnel do tempo. mas é assim que as coisas funcionam.

em dois dias, já fui confundida com amy winehouse e leandra leal. obviamente, porque tenho QUATRO tatuagens e uso uma FAIXA no cabelo e BOTAS - estava chovendo -, sou winehouse. simples assim. tão bela a mentalidade baiana, minha gente.

oito de dezembro é dia de iansã, e a cidade fica parada. dia de oferecer caruru à orixá dos raios e trovões, dia de não aparecer na praia. foi um custo achar qualquer lugar aberto para vender um níquel de álcool. não achamos, obviamente. fomos beber no posto - que coisa ridícula.

antigos amigos, antigas histórias, piadas que só fazem sentido se você viveu aquilo. f. vai prestar concurso para a polícia militar. a história é mais ou menos a seguinte: estava na rua, foi parado numa blitz com o ipva vencido. iam tomar o carro. ligou para o tio, que é tenente-coronel de alguma coisa e ele resolveu em dois minutos.

- eu preciso de algo que resolva a minha vida, e não que atrapalhe.

ôquei.

sábado, 6 de dezembro de 2008

tô indo viajar.

para quem fica:

- little joy;
- burn after reading;
- radiohead;
- henry miller em seus corações, sempre.

abraços.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Prezada L,

A princípio pode parecer que não, mas a sua vida está desorganizada. diria mais, até: completamente disfuncionalizada. decisões que deveriam ser tomadas imediatamente são adiadas para além de 2020, e as de longa distância não são postas em prática nunca.

Aqui entre mulheres: acredito até que você tenha folheado um desses manuais de auto-ajuda na livraria sobre como ter motivação e liberdade de espírito. não procurado, veja bem. ele simplesmente pulou sobre a sua visão. mas não combinava, não é mesmo?

Pois eu ofereço a solução ideal. Infelizmente, por motivos de ordem superior a esta que vos escreve, não poderei revelar a fórmula do nosso produto. Mas chama-se Motivex, é vendido exclusivamente pela Coragem Já! Laboratórios e vem em embalagem de 60 cápsulas. O tratamento inicial é composto de seis pílulas por dia, e esse número irá aumentar cada vez mais!

Talvez, dessa forma, querida L, você não tenha dois livros de poesia, dois romances e um livro de contos enterrados no seu computador e adie, ano após ano, a publicação deles.

Um beijo,

Coragem Já! Laboratórios
ah! e ficar parada inacreditáveis vinte e cinco minutos, às onze da manhã de uma quinta-feira, porque trezentos e setenta e quatro babacas querem tirar foto DE UMA ÁRVORE NA LAGOA.

morar no rio é...

* policial militar metendo menino de rua num ônibus sabe-se lá para onde vai e nego no bar APLAUDINDO;

* - tia, me dá uma moeda?
- não tenho.
- então, vou te roubar.
- não vai, não.
- tem que roubar mermo essas mulher safada que não quer dar dinheiro;

* andar 2km para achar um banco do brasil e passar por três agências do Itaú e duas do Unibanco.
se eu fosse filmar o clip da versão do radiohead para 'wish you were here', eu colocaria o thom yorke esfaqueado por cento e cinqüenta pessoas, de todas as etnias do mundo, e antes de morrer, nos últimos 2 minutos e vinte de vida, ele resfolegaria a letra.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

socorro. há mais livro que minha casa comporta. aliás, há mais palavras escritas que minha casa comporta: são livros, revistas, trechos de contos dados na Flip, brindes de livraria, suplementos literários e -

***

próximo passo: transformar a sala em estúdio. a câmera chega em duas semanas. quem diria, quem diria. apenas a estante fica.

***

radiohead.

***

sinto uma brisa que me sussurra: dois mil e nove. é diferente. não previa nada para esse ano; o resultado foi um enorme nada de doze meses. vontade de assumir outro nome e sumir.

o que melhor sei fazer: sumir.

***

escrever é uma praga necessária, e na minha vida, sei apenas fazer isso. desculpe, sinto nojo de sangue, não sei fazer contas, e ah, quanta preguiça para literatos / diplomatas / sociólogos. me restou o apenas. agarro-me feito tábua de salvação, vamos ver um dia.
Jornalistas são tão ignorantes que nunca admitem o erro; certa vez, um cara de país bradou algo sobre broxar com mulheres que não sabem conjugar o subjuntivo. Ora, esse cara dois dias antes não sabia se o verbo conjugava com o sujeito ou com a conjunção. Quer dizer, falta um mínimo de espiritualidade nessa gente, assim no sentido delas se considerarem um espírito menor diante da grandeza do universo.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

era uma agradável e calma livraria. tarde de sábado, não muitos clientes, mas o suficiente para manter dois ou três atendentes acesos. no som, alguma cantora francesa de voz arrastada e longos olhos verdes. em uma hora e vinte minutos, o grande amigo de alice, joão eduardo, lançaria mais uma coletânea de contos; joão fazia isso quando estava curto de grana: juntava um punhado de papéis antigos, remodelava-os e os colocava à venda. cinqüenta anos de vida pública o davam o direito de fazê-lo. alice, a quem ele carinhosamente chamava de "rejuvenescimento osmótico", desprezava essas iniciativas. eram os reflexos dos vinte anos, o grande escritor dizia. depois, qualquer e toda ilusão fica no armário, escondido com as ombreiras e as chuvas do verão passado. ainda assim, ele exigia - pedia, aliás - a
presença da amiga. apesar de que alice detestava os olhares, de, no mais lisongeiro, não pertencimento àquela classe (que só aceitava membros acima dos quarenta e sete, veja bem), e escondia-se atrás da pilastras. de tempos em tempos, acenava para joão. no fim de todo o circo, bebiam com o dinheiro dos outros até amanhecer. alice folheava o novo romance policial de peter robinson quando o percebeu. ele ainda não a vira. era uma questão de instantes, ela sabia. a sua habilidade natural para o desastre não iria deixar tal situação ser esquecida pelo universo e preenchida por paredes sólidas - e imaginárias - que brotariam do solo. a infinita capacidade do ser humano de extrair palavras dos dentes mais doloridos. a capacidade de provocar terremotos com os dedos agiria mais uma vez. alice respirou. eternamente. folheeou uma página, outra. e quando levantou os olhos, o objeto estava parado à sua frente.
fazer passaporte; acertar visto; pagar seguro-saúde. recomeçar. procurar apartamentos. dividir com alguém. vender os móveis. guardar os livros - temporariamente - em salvador. o resto é tesão.

(por certo tempo, matei a minha sede de novidades pintando paredes e cortando o cabelo semana sim, semana não. sonhos são criados a cada instante; estava mestre na arte de deixá-los saltitar pela janela, com todos os papéis na mão. agora tenho bilhetes e não sei onde vão me levar. como ouvir 'who loves the sun' em um dia bonito e perceber que sim, faz sentido)
de repente, assim do nada, subiu uma dor lá do ventre, de pedir perdão até pelo que não fiz, de chorar e encontrar o fim do mundo, cinco suspiros não passam, três alívios não vieram, uma dor danada que só ela, dor de travar o peito. rezei forte pra não chorar. de medo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

estou vendendo todos os móveis da sala, à exceção da estante.

geladeira, sofá, mesa de centro, poltrona. nada rasgado ou quebrado. pouco uso até, diga-se de passagem.

aos interessados: leticia.c.simoes@gmail.com

terça-feira, 25 de novembro de 2008

"decidi ir embora, largar tudo, arrumar as coisas; só o necessário. documentos. au revoir."

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Lima é uma cidade estranha. Quente. Do avião, pude ver as montanhas; da janela, parece que há uma fumaça responsável por inebriar as pessoas. Estou quase no fim de P. Robinson, com disposição - se não dormir no meio da tarde - consigo saber quem matou a garota. A comida é apimentada, arde a boca, mas não queima. Tenho tido sonhos estranhos, com túneis e passagens, além de uma montanha rosa. Quando sái hoje pela manhã, comprei um desses lenços coloridos para se proteger do sol. A tontura subiu à cabeça em dez minutos.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

eduardo,

só queria dizer, antes de ir embora, que acreditei em você até o último segundo. ainda estou acreditando, no momento dessa respiração. mas se você escolheu desistir, sinto muito. essa experiência estranha me impele a continuar; imagino um mundo de belas orquestras, douradas, fulgurantes, não magro e esquálido como aquele gato de rua que adotamos. você e sua eterna comparação entre o mundo e os gatos; "resistem a qualquer coisa, qualquer pulo, enfiam-se embaixo de armários, caminhões, dormem além da conta na hora errada e estão acordados quando ninguém os quer". sabe? sempre achei suas metáforas ruins. mas quando não consigo dormir, tenho saudade do seu jazz, da bossa legal que você levava contigo quando queria. talvez, talvez. a gente vive de incertezas, e esse era o seu ódio, não? fazer o que não queria, quando era tão simples. mas era tudo ou nada; se for para ganhar, havia de ser do seu jeito. e bem, você sabe. o céu fala por todos nós. sabe que nunca consegui passar da página cinco de morte em veneza? agora, já desisti; enterrei, joguei fora. não vou precisar. prefiro viver a experiência traumática de assistir ao ser em evolução. não era isso? estarei sempre aqui, não se preocupa que não vou sair do lugar. lembra, hein: eu ainda acredito em você. usted. mi amigo. com muito amor,

m.
- oh, come on, don't say you were fighting for this. you never wanted it, anyway.

- how could you possibly tell i never wanted something like that?

- it was written in your eyes, my girl.

- well, they speak a whole different language you can't understand. they don't speak for you.

- your words are as soft as night before dawn; but in no way you could hide this roughness that belong to those eyes.

- i'm a book, written in ten languages, all beautiful. none of them you can understand.
estou no peru há três dias. ainda não saí do quarto de hotel. tenho medo de me perder e ser assaltada, ou pior, esquecer o caminho de vez. no balcão de entrada do hotel, existem alguns mapas, mas são todos confusos. e quem olha mapas mesmo, hoje em dia? da minha janela vejo que lima é suja e cheia de pessoas coloridas que falam rápido uma língua estranha. não é espanhol, é mais duro, com uma rouquidão estranha. por sorte, trouxe dois livros - não ia trazer nenhum - para me obrigar a sair. o senhor me iluminou e trouxe hobsbawn e peter robinson. no total, 994 páginas. no total, sete dias. já se passaram setenta e duas horas, e dois cafés-da-manhã. os arranhões do pulso esquerdo estão cicatrizando, mas as marcas ainda estão lá. creio que esqueci o cachecol em são paulo. merda.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

sinto a sua falta.

( você, quem eu não sei dizer o nome )

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

nesse jornal, a hora não passa; o relógio anda para trás, é o impossível. a moça de cabelos loiros que reclama do judiciário já suspirou 274 vezes apenas entre 14h e 19h51; o argentino conquistador barato chegou, foi embora, e agora está ao telefone, preparando-se para encontrar com a namorada (quinta? quarta?); após o chefe de país ter corrigido o erro gramatical que não existia, desisti de ouvir os vizinhos de computador. a rosa da garota de cidade murchou e ela ainda não percebeu. as televisões estão desligadas, e a chuva transborda do lado de fora. o menino dos doces veio tarde demais, quando já estava em outro plano astral - vamos analisar a cena do crime, mergulhei fundo -, o ministro deu outra declaração, as horas não passam, os minutos não passam, são que horas mesmo? 19h57.
era um concurso assim: de duplas, cada pessoa com seu talento. o outro tinha que interpretar o um; ganhava quem melhor convencesse a platéia dessa nova habilidade e, obviamente, vencesse as provas.

havia um chef e uma atriz; ela teve que preparar uma macarronada enquanto os ingredientes caíam de lugar algum. se tocassem o chão viravam gotas de tinta, que ele usava para criar roupas e se maquiar para a peça que havia inventado. um dependia do outro, mas apenas o suficiente.

a próxima dupla era uma escritora e uma dançarina. o palco começou a se encher de nuvem rosa, e as duas não sabiam o que fazer. quando a dançarina tentou rodopiar, surgiram letras; a outra as organizou em palavras, como tobogã.

(não era corrente de auto-ajuda, era sonho).

terça-feira, 18 de novembro de 2008

indecisão mata. mais que morte matada, tão lentamente quanto morte morrida, mas sem ser em um suspiro só, são vários sufocos, um após o outro, desses de elevador fechado em mente claustrofóbica ou essas ressacas brancas do dia seguinte.

ir, ficar. afastar, avançar. caminhos. diferentes.

muitas vezes que se cruzam perto da ribanceira.

domingo, 16 de novembro de 2008

acordei com vontade de laranjas. secas, maduras, amarelas, gostosas. quando olhei para o lado, o gato branco havia posto as duas patas da frente sobre o caderno onde antes dormi escrevendo, e as outras duas sobre o telefone, largado no chão. talvez isso signifique alguma coisa. sei apenas que não havia laranjas nem aqui nem no supermercado; frutas desse tipo não se encontram embaladas por ar-condicionado, elas devem ser frescas como instantes; como sonhos. sonhos têm essa particularidade cruel: quando são ruins, é uma dádiva acordar e tocar a realidade. quando são bons e se acorda, caem as lágrimas de desejo. por quê? por quê acordar?
(apenas para me lembrar que ainda há muito, muito para ser feito.)
que dia morto, meodeos. nada, não fiz nada do que era para ter feito.

há dias em que a boca
parece ter ultrapassado a capacidade máxima
de dentes.
nessas horas tento me calar
mas termino por morder a língua
e rasgar o céu
no inteiro.
problema sério: incapacidade de concentração em assuntos não interessantes ao sujeito da frase.

ao ler montesquieu, eu penso em gnarl barkley.

domingo, 9 de novembro de 2008




resumo de todas as óperas:
acordei, você não estava lá
bati a porta, bebi os dias
voltei.
havia o relógio
e novamente o lençol azul
- fora tudo ilusão.


manchei meus dedos
para contar essa história -
que pena, você nunca
esteve lá.



para cada vento
existe
um desapego de dedos frágeis
e pensamentos
mal dormidos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

tive um sonho tão bonito, mas tão bonito tal qual cena de won kar-wai; era meu aniversário e fomos pegar as duas tortas, eu estava no banco do carona.

na estrada, ao olhar para o lado, a surpresa: o rio mais lindo do mundo. havia uma montanha de água com sete camadas; cada uma com a cor do arco-íris. tomávamos banho e imediatamente as cores transbordavam pela pele.

de repente, surge uma rainha egípcia com seu exército; o oásis era uma armadilha para atrair pessoas, não me recordo exatamente com qual propósito. saímos correndo, abandonando todas as cores, a areia límpida, a água gostosa. aceleraram o carro.

por estar muito rápido, o carro - era vermelhíssimo - foi parado pelo guarda de trânsito. medo. o motorista não tinha carteira de habilitação. mas o guarda era gay, eles entoaram 'singing in the rain', belo dueto por sinal, e partimos.
estou sem paciência para quase tudo; viver assim é muito complicado .

viajar, viajar, viajar.

por favor.
conclusão do dia: l. não gosta de trabalhar.
minha casa fede a desespero.

domingo, 2 de novembro de 2008

L. diz:
quero um sorvete, mas tá tudo fechado. comofas?

Tiago diz:
poha
Tiago diz:
manda um broder levar ae


L. diz:
cara, aqui no rio as pessoas não são assim
L. diz:
elas não vão nas casas dos outros
Tiago diz:
pq?

L. diz:
pq é todo mundo meio desconfiado
L. diz:
e acha que casa é só pra gente MUITO íntima
L. diz:
não é como em salvador
L. diz:
que você conhece alguém e já fala pra pessoa passar na sua casa e tal

Tiago diz:
ééééééé
Tiago diz:
aki é a terra da permissividade
estou sem saco de trabalhar, noooooooooooo patienceeeeeeee for yoooooou.

sacanear/e ser sacaneada no msn, enquanto repasso todas as músicas nessa merda de computador, que não é meu computador, pois o meu querido e adorado filho está na manutenção, em conjunto com 9 mil músicas, dois livros de poesia, um romance e um livro de crônicas. beleza, aê, cumpadi?

o gato jogou todas as fotos da minha mãe no chão. agora o quarto está coberto de olhos. bizar.

preciso dos mil e duzentos do roteiro, senão daqui a pouco andarei na rua pelada. contas, contas, contas - vou abandonar esse apartamento e ir EMBORA. deixar a casa COM TUDO DENTRO.

menos os livros.

vou ali baixar o santo da mobilidade sustentável e já volto.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

todos os dias, todos os dias: nasci na época errada.

(tempo onde se diz que diana krall é jazz, em caixa alta)

(quando fumante é visto como pária)

cansei.

me deixem voltar para 1910.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Morri de você. Não de cianureto nem de pneumonia. De você.

Depois levantei da cama, bati a cinza do cigarro.

Um café forte para aqueles que ficam.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

escrevo para corromper
meu sorriso
puído, gasto
desses dias
de sol forte.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

"Vocês não acreditam que eu seja um escritor?"

"Não temos nenhum modo de comprovar isso".

"Mas vou perder meu trem. Ele está para sair a qualquer momento".

"Meu caro amigo..." Revirei minha mochila e de repente encontrei um artigo em uma revista sobre Henry Miller e eu e o exibi para o cara da alfândega. Ele sorriu:

"Henry Miller? Isso é ainda mais notável. Ele foi detido por nós há alguns anos, escreveu um monte de coisas sobre New Haven." (Esse era um New Haven bem mais sinistro do que aquele em Conneticut, com sua fumaça de carvão ao nascer do dia). Mas o cara da alfândega ficou imensamente satisfeito, checou meu nome mais uma vez, no artigo e nos meus documentos, e disse: "Bem, temo que agora serão apenas sorrisos e apertos de mão. Lamento muito o ocorrido. Acho que podemos deixá-lo passar - com a recomendação de que deixe a Inglaterra dentro de um mês".

(Kerouac)
por que não posso ser como kerouac e london, henry miller, que viveram como quiseram, por onde quiseram? sou mulher, brasileira, em doismileoito, ninguém vai me aceitar como lavadora de prato em navio cargueiro indo pro marrocos. vão pensar que carrego uma bomba. cansei desses lugares, hábitos, pessoas. cansei de jornalismo - é patético como as pessoas tratam a vida das outras pessoas. sair daqui, áfrica, índica, que vontade de tudo, que vontade do mundo. a vida nos livros é tão, mas tão mais interessante que a minha, ainda que a minha vida seja maravilhosa e recheada daqueles pequenos medos que nos fazem saltar prédios. eu quero conhecer a cor de outros céus, como se amanhece no alasca, a que horas se dorme na martinica, qual o som do mar na índia. e quem disse que é tudo a mesma coisa, goza, infelizmente, de uma atroz burrice. eu sei que é necessário paciência, mas como se pede isso a alguém de vinte anos? sinto sempre que estou atrás do mundo. gostaria de ter uma bela frase para compensar esse sentimento, mas a realidade me convidou para tomar um trago ali na esquina.

domingo, 19 de outubro de 2008

se você é um escritor, nunca, nunca, nunca trabalhe com algo em que tenha de escrever.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

eu não esperava isso, não de você. mas agora é levantar os olhos e ir em frente, por cima de toda a merda, de toda a lama, de todo o tempo gasto em vão. acordar sã é mais importante, ainda que eu duvide disso por alguns dias; meu filme é tudo. e você é nada. culpa? inteiramente sua. guarde-a, cuide com carinho. cada um com seus demônios.


I was drowned, I was washed up and left for dead.
I fell down to my feet and I saw they bled.
I frowned at the crumbs of a crust of bread.
I was crowned with a spike right thru my head.
But it's all right now, in fact, it's a gas!
But it's all right, I'm Jumpin' Jack Flash

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

estamos preparados para qualquer coisa. o fato desse poder ficar incubado boa parte do ano, pelo menos para mim, não significa que ele desapareceu.




mas ninguém nunca disse que não doía.
nota mental: nunca, nunca, nunca mais na vida chegar perto de uma máquina fotográfica.

domingo, 12 de outubro de 2008

cidade de deus me ensinou a montar filmes.

woody allen me mostrou a força dos diálogos.

scorsese me deu estilo.

hitchock me concedeu a máxima: mostre tudo sem revelar nada.

truffaut depositou em mim a delicadeza.

tarantino, a agilidade.

fellini compartilhou comigo sua doce ironia.

wilder, sua inocência sarcástica.

de bergman, fiquei com a profundidade.


e agora para juntar tudo isso em um roteiro só? 150 páginas à prova.

socorro.
sem saber o que fazer com tamanha liberdade e sem qualquer seta para indicar-lhe o caminho, meteu os pés pelas mãos, enfiou-se em um buraco e há quem diga que derramou uma lágrima.

dias depois, todavia, ao se ver com todo o mundo à disposição e um relógio que, finalmente, andava a seu favor, decidiu sair de casa.

e andar de bicicleta.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

R$ 55 para o Rio de Janeiro. Há quanto tempo mesmo? Lavínia não lembra. Ela não tira fotos.

Sentar e esperar por uma hora não é uma boa opção. Com o troco, dá pra comprar um pão-de-queijo, café e biscoito para a viagem. A rodoviária do Tietê é grande o suficiente para atiçar a curiosidade de Lavínia, com suas botas altíssimas marrons e um vestido preto incompleto; tanto por revelar a tatuagem no braço esquerdo e o trecho de carna à espreita do vestido, quanto por atentar com a falta de. Braço.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

as coisas vão acontecendo, e eu só percebi que já tinha ido quando cheguei em outro aeroporto e não o reconheci:

-onde estão as cadeiras azuis?

A mala apoiou-se no chão da rodoviária. Ela estava sem dinheiro para um avião, mas veja só, quando entrou no metrô da Paulista rumo à estação Tietê poderia jurar de pés juntos que teria a alegre companhia de uma aeromoça servindo sucos light e cerveja preta.

Nunca havia estado em rodoviária tão grande. Ou já? O aeroporto de Vitória é claustrofóbico. Dezenas de executivos de sotaque estranho às seis da manhã entupindo-se de pó e café, disputando a palmo os azuis assentos, enquanto um homem careca tenta organizar quatro filas ao mesmo tempo em que impede com dois finos braços que as pessoas corram desesperadas em direção à pista.

Lavínia tinha R$65,48 na conta bancária. Para onde fosse, não iria ser mais longe que aquilo - sua distância máxima estava calculada em R$65,48 e a qualquer momento o banco poderia cobrar os juros do cheque especial. Não queria passar pela vergonha de explicar a situação ao vendedor - vai saber se ele me engana.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

ah, que você prometeu o mundo como uma brincadeira, quando ela disse 'não, não vem que não tem, não acredito em promessas', e desse monte de nãos, você fez uma poesia, muito bonita inclusive e até, mas com esses versos brancos e sem rima, obviamente que não daria certo. desde o início as antenas da cidade captavam que essa amizade não iria durar muito, os radialistas comentaram em seus programas às seis da manhã, em meio a notícia de alta de trigo e o trânsito na cidade. enquanto isso o foguete dispara, e o mundo ri, como sempre, sambando mais uma vez, certo que escreveu todas as páginas corretamente, e com aquele olhar de quem sabia, há muito, do fracasso desses idiotas, os homens.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Fiquei quinze minutos procurando as chaves na bolsa. O porteiro me encarava com um pacote de cartas na mão. Filho da puta. Não podia levantar a bunda da cadeira cinco minutos. Finalmente achei as duas chaves. Bolsa de mulher é realmente um problema, ele disse, quando me entregou as contas. Uma atrasada, de quinze dias. Outra para pagar, dali a quinze dias. Assim que virei a maçaneta, um gato tentou fugir em direção à luz – a lâmpada da sala queimou e eu ainda não tive saco de trocar. Tempo. A ração deles tinha acabado, era hora de fazer tudo novamente: colocar a chave na bolsa, trancar a chave de casa, descer os três andares de escada para não me sentir uma completa sedentária, bater a porta da rua. O mercado estava, como sempre, insuportável. O casal da frente comprava duas coca-colas de três litros. O que vão fazer com tanto xarope, meu deus? Uma orgia de cafeína e cola? Beber coca-cola até perder a visão e ficar rodando no mesmo eixo? A menina das bochechas rosadas de espinhas e cabelo mal pintado de loiro comprou um saco de pão-de-queijo, duas dessas coisas geladas de chocolate, e pó para fazer chá. Eu estava na fila com um saco enorme e estapafúrdio de ração rosa, desejando ardentemente umas jujubas ao lado do caixa, e algumas pilhas. Mas sem dinheiro. Voltando pra casa, ainda pensei em comprar uma caixa de chocolates, uma grande caixa de chocolates brancos para entupirem minha boca, exatamente como uma rolha, e evitarem o vexame de um inadequado grito no meio da rua. Mas eu precisava. Gritar. E não queria gritar na minha casa, poderia assustar os vizinhos, e muitas vezes eu preciso deles, especialmente quando esqueço as minhas chaves de madrugada. O meu objetivo, nessa noite, era apenas um: dormir. Irrestritamente. Começar às oito da noite e terminar oito da manhã, já que na sexta-feira eu posso me dar ao luxo de dormir até mais tarde – o horário da faculdade deixa. Então, depois de chegar em casa pela segunda vez, tranquei a porta duas vezes e me joguei na cama. O telefone tocou. Era minha mãe. Infelizmente esqueci de tirar o cabo da linha, e o barulho do aparelho me cria uma culpa de ser um acidente mundial e apenas eu não estar sabendo. Saia de casa, precisamos de você nesse mesmo minuto. E eu dormindo. E ouvindo tudo isso. Depois que eu atendi, e a minha mãe reconheceu a minha voz, não havia mais muita a coisa a se fazer – ela queria conversar sobre meu tio, arquiteto sem talento para ganhar dinheiro, que estava se separando de uma psicótica mas que sustentava a casa. E que ele tinha pedido dez mil pra ela. Eu não tenho coragem de pedir quinhentos a ela. Não que ela seja pobre, mas são princípios. Não se pede dinheiro a mãe depois que se sai de casa. Nem que se esteja passando fome. Não dá. Depois o cara me ligou para falar de um emprego, e eu tô aceitando qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa. Durante a tarde eu ensaio as frases chaves para mandar meu chefe à merda e eventualmente quebrar alguma coisa na saída. Ah, como é confortável ser covarde e receber o tradicional café na xícara vermelha às cinco da tarde, e depois o contra-cheque depositado na conta todo mês, na data certa. A covardia é o meu bem maior, é a minha toalha branca pendurada nesse banheiro sujo e coberto de jornal. Não há qualquer orgulho nisso, há pena e um certo lápis de olho. Toda a questão está desenvolvida em dois pontos: eu quero viajar. E não tenho dinheiro. O telefone tocou de novo. Uma gravação infeliz acerca da conta não paga de quinze dias atrás. Tentei mandar à merda mas ela não escutou. Acho melhor descer, tomar uma cerveja. Vou fazer isso.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008


with a little help from my friends.
ali, no meio da Paulista de luzes estranhas e casacos enormes, além de longos pints, ele confessou ter medo da cidade grande, sentir saudade de casa, ter perdido cinqüenta reais em uma hora com cerveja e batata frita, não ter gostado da maconha de são paulo, querer fazer um dragão nas costas, ter muita, mas muita preguiça de trabalhar.

ela estava com frio, mas não quis dizer, queria acender um cigarro, mas eles ficaram no rio, para onde não queria voltar, mas tampouco queria ficar se fosse para dormir ali; sentiu uma enorme simpatia por dois indianos que atravessavam a rua no mesmo sinal e quis encontrar aquele pessoal que grafita virtualmente os prédios. para poder brincar também.

mas então que o ônibus chegou e ficou só o amargor na boca.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

alguém por favor me explica o que está acontecendo com o cinema brasileiro, jesuiz? linha de passe vai do nada para lugar algum, última parada é ruinzinho, ruinzinho, a zebra do segundo semestre é bezerra de menezes, aquele filme cu da porra.

padilha em hollywood, meirelles na europa.

viver tá foda.

domingo, 28 de setembro de 2008

forever & ever, it's gonna be me running from you lovely delightful arms until I find that smile, oh what a smile, and fall on your couch.

why can't you be mine, she asked.

because i'm someone's, he answered.

for one minute, i forgot 'bout that.
a questão é que estou perdida, entende, presa em um curso que não tem nada a ver comigo, em um trabalho estressante e desprezível, onde tenho de aturar coisas que se fosse há dois anos, jamais aturaria, parada no sinal amarelo, sem saber se vou para frente ou se dou ré e amasso todos os carros; não havia problema em amassar os fuscas e celtas da vida, mas agora quem vai pagar o seguro? não o meu, mas o dos outros, claro, quando eu passar por cima de suas cabeças. se eu passar. e tudo vai desaguar em um hospital, em uma dessas esquinas-ladeiras da avenida paulista, mais uma dessas ruas de são paulo que brotam do nada e terminam em lugar algum, e eu ali, parada, segurando um controle remoto de um aparelho qualquer, em um espaço qualquer, tentando entender como diabos fui parar ali, sem nem ouvir a qualquer filosofia barata que tentavam me vender sobre a crise americana. eu sei que a cidade é grande e fria, mas de uns tempos para cá ando querendo me perder, sabe? levo a impressão que no rio de janeiro me acharam.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

caro deus: são onze e meia da noite de uma quinta-feira, eu preciso arrumar minha mala, tá fazendo frio pra caralho em são paulo, preciso gravar o vídeo com as fotos & a música do lou, preciso jogar essa tonelada de jornal fora, ou dar pra alguém que queira de cobertor, sei lá, eu usava vestido de jornal quando tinha seis anos e gostava de sair pelada pela casa, mas acima de tudo preciso dormir, caro deus, dormir.

mas estou aqui, sentada com a porra dessa bunda na merda dessa cadeira de yuppie direto de Wall Street criando personagens para um trabalho pedante da porra. cansei de faculdade, adeus.


deus responde: dorme no ônibus pra são paulo, filha. dorme.

domingo, 21 de setembro de 2008

o novo cd do camelo é uma cópia barata do chico buarque nos anos 70.

que pena.

sábado, 20 de setembro de 2008

liguei pra você outro dia, mas alguém me disse que você estava viajando, pensei talvez você já tivesse voltado de viagem, vejo que não, mas ainda assim eu precisava falar contigo, sabe? essa é uma daquelas noites indormíveis, quando uma angústia me trava o pescoço, às vezes até ponho a palma da mão na frente da boca para me certificar que estou respirando, ah, você vai rir quando ouvir essa mensagem, mas eu precisava falar com alguém, e você foi a pessoa em que eu sempre penso nessas horas, essas vontades estranhas de desabafar com alguém - outro dia estava passando pela floricultura e vi umas rosas azuis, e cara, rá rá rá, como eu ri vendo aquilo, eu era tão inocente, lembra? eu achava que realmente existiam rosas azuis no mundo, rá rá rá, e você veio e me olhou, esbugalhou os olhos, aliás, daquele jeito só seu, e eu me senti tão patética de ser a única pessoa no mundo a não saber que eles pintavam - e como está paris? aqui as coisas estão frias, descobri um novo bar, você vai adorar quando chegar, óbvio que é não como paris, mas é um bar, e aposto que em paris não há companheiros de bar como os daqui - mas sabe o que é, mesmo? essa coisa de não conseguir dormir acaba comigo, é um turbilhão de pensamentos, círculos de pensamentos que vão e voltam, ainda bem, não sou espírita, senão diria que são espíritos me perseguindo, e, ah, eu fico pensando se as outras pessoas vivem melhor do que eu, não no sentido babaca da coisa, mas de viver melhor, entende? no sentido de não ter dúvidas sobre - eu acordo todos os dias e me pergunto se eu sei viver, não exatamente não saber viver, mas para onde estou indo, compreende? não pode ser apenas isso, seria tão estúpido e ridículo crer que eu sou mais importante que qualquer - não, ainda não é isso que quero dizer, não vou entrar numa estúpida conversa sartre-simone, isso não cabe mais, né, já deu, perdemos muitas horas muitas madrugadas muitas vidas falando sobre isso - olha já ia cair de novo -, mas sabe acho que não consigo sentir mais nada, a não ser o vento me carregando para o dia seguinte, e creio que se dormisse e não acordasse mais, não faria falta - não é um ataque suicida, claro que não, veja bem, é apenas dormir, dormir, como um conto de fadas, eternamente, sem sentir dor, você entende? claro que entende, você sempre entende tudo, espera a secretária está avisando que vai acabar o tempo, eu ainda tenho tanta coisa pra te dizer, espera - você sabe viver?

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

As pessoas ainda insistem em confundir cinema com romance-em-imagens. Literatura e cinema são duas linguagens completamente diferentes - e que bom ser assim, cada qual com sua especificidade e seu léxico. A genialidade de uma adaptação literária está no roteirista e no diretor entenderem qual o propósito daquela obra e transportarem para outra linguagem sem perder de vista o sumo inicial. Muitos, mas muitos mesmo, diretores caem na esparrela de simplesmente copiar o texto inicial, apagando passagens. O resultado é um bando de espectadores frustrados que saem do cinema com a frase: "o livro é muito melhor que o filme".

No caso de Ensaio sobre a Cegueira, esta é a visão do roteirista Don McKellar (que também atua como o ladrão, o que rouba o primeiro cego) e de Meirelles sobre o livro. Se eu quisesse ver - VER, estamos tratando de cinema, não de literatura - a idéia de Saramago sobre sua obra, eu dava uma câmera e US$ 10 milhões para ele.

O livro é mais cruel, nojento e pessimista que o filme? Sim. O espírito final do Ensaio é que a solidariedade entre as pessoas pode superar os instintos animalescos - a visão de Meirelles acerca do livro. Se os direitos fossem entregues a Danny Boyle, por exemplo, o diretor de Trainspotting e Extermínio, extremamente niilista, sem nenhuma crença no ser humano, muito menos em sua redenção, centraria sua câmera na violência e no pessismo. Sem qualquer esperança.

Além disso, Meirelles respeita o público ao não expor de maneira pornográfica os excrementos, a sujeira e o estupro coletivo. As cenas estão lá, a ação está lá - mas fotografada e dirigida de maneira ao público imaginar o pior. Ele não entrega de bandeja, ele mexe com a imaginação de cada um - um cinema inteligente, finalmente.

Abraços,

L.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

i understand all this mess running around at my windows, 'cause it's the original purpose of a storm - being it with all strenght it can get. what i cannot and may never not be able to explain is how, every single time, i fall right into the arms of a rain.

domingo, 7 de setembro de 2008

domingo: tomar café da manhã no CCBB, rever a exposição da Clarice, andar até o Odeon, ver um filminho bacana, tomar um café lendo o jornal e voltar pra casa.

ah, como é bom.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

A solidão é dura e cortante como esse vento frio do Rio de Janeiro, que rasga a pele e se encontra no meu peito nu coberto parcamente por um pano preto. Dura e irresistível: o estar sozinha torna-se não mais uma condição, mas um estado vicioso. Pelo medo. Medo dos outros até, mas particularmente medo de mim - bicho retraído, acuado. Faz frio no Rio de Janeiro - frio como nunca senti, sou de cima, onde todas as noites são quentes. Era bicho de expansão, transformei-me em bicho calado. viver é um desejo renovado a cada manhã, mas estranhamente tenho tido muita dificuldade para dormir. dentro de mim cabe o mundo, mas anteontem não consegui abraçar minhas pernas. talvez seja um problema da água.


e do sol de classe média.

sábado, 30 de agosto de 2008

Quando criança, Isabel queria ser astronauta. Passou pela fase de pintora - o irmão quinze anos mais velho era artista plástico e começava a ser fazer um certo movimento na sua casa que ela, com sete anos, não entendia muito bem; sabia que eram amigos de seu pai, e que sua mãe não gostava muito deles, pois em determinados intervalos cronometrados ia à cozinha, virava à esquerda, andava dois passos, abria a janela, fumava um cigarro, reclamava "ah, Antônio, ah, Antônio", e voltava à sala novamente. Isabel pressentia no ar uma certa felicidade também, provinda do seu irmão, quando um amigo de seu pai batia na costas dele e dizia: "Tudo, bem, toninho, vou levar este aqui, seu garoto tem futuro, hein?" e eles batiam as portas dos elevadores, e falavam alto, e dirigiam os seus carros enormes e sempre tão escuros que soltavam muita fumaça. isabel não queria ser igual a eles.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

pra onde eu vou, venha também.

pra onde eu vou, venha também.

tan tan tan.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

"você não está entendendo essa vontade que sobe; viver queima, arde, arranha na garganta; é algo místico, ainda que eu não acredite em nada disso. viver deveria ser uma bela experimentação que eu transformei em um filme qualquer de fim-de-tarde, assistindo às cenas e recitando, antes que a mocinha abra a boca, as falas finais".

domingo, 24 de agosto de 2008

quando estou triste, gosto de me refugiar na sala escura do cinema - é o único lugar onde desabafo e choro. verto todas as lágrimas que consigo, ninguém me vê, ninguém me escuta, o meu rosto passa polido, quase confudindo-se com o chão. choro sozinha porque não consigo chorar em público; se pudesse, talvez tentasse para conseguir um colo, uma atenção qualquer. mas por motivos de força maior, que não sei explicar - afinal, todo ser humano necessita um colo, mesmo que forçado e até falso - não consigo. sou reclusa.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Incrível como o recente cinema paulista tem se sobressaído ao cinema carioca. Desde a retomada do cinema nacional, o que se vê são filmes atolando-se na mesmice da favela carioca enquanto diretores/roteiristas como Beto Brant, Marçal Aquino, Laís Bodansky, Heitor Dhalia, o recém-adotado paulista Murilo Salles e o mais novo na área, Reinaldo Pinheiro, buscam incorporar São Paulo em seus personagens.

"Era uma vez", do Breno Silveira, e "Nossa vida não cabe num Opala" são a perfeita representação desse contraste entre as duas galerinhas cinematográficas (o que também é uma distinção - enquanto aqui no Rio existe a panela da Conspiração, Leribe e Globo Filmes, em Sampa, a produção cinematográfica é uma grande teia de produtoras envolvendo, inclusive, dinheiro do Nordeste e de outros países; além, claro, do enorme incentivo que o governo paulista dá para produções que falem de São Paulo, para o bem ou para o mal): enquanto o filme do Breno é a maior porcaria surgida nesse filão de cinema de favela, "Opala" é uma sensacional obra em quadrinhos filmada.

Ambos os filmes se utilizam de clichês, certo? Mas enquanto "Era uma vez" os lambuza com mel e aveia, e acredita que a simples existência deles conquista a platéia, sem a necessidade de um roteiro coeso e uma direção segura, "Opala" dança com o clichê de boxeador, do irmão imbecil, da menina certinha que vira prostituta. Engraçado que ambos os filmes bebem na fonte de Shakeaspeare - o filme do Breno é um Romeu e Julieta no Cantagalo chupado, sem nenhuma originalidade. Já Reinaldo Pinheiro pega Hamlet e subverte, transforma, ironiza - afinal, a relação entre literatura e cinema não deveria ser essa?

Os cineastas/roteiristas/produtores cariocas caíram no esparro do gênero - alô, Hollywood já fez isso, e percebeu que não dá certo. Inclusive ela percebeu há anos atrás. Diversificar a produção cinematográfica é o primeiro passo para a construção da tão sonhada indústria brasileira - mas como fazer isso se as principais apostas das produtoras cariocas são em um único gênero? Para esse ano, mais duas produções vão estrear sobre a problemática das favelas. Além de "Show de bola", filme em que o Thiago Martins - o Romeu do Cantagalo - aparece novamente. Entendam-me bem, eu não sou contra Cidade de Deus - um dos meus filmes prediletos e que foi definitivo, mais do que qualquer Glauber Rocha, para dar um pontapé na identidade brasileira -, sou contra a repetição desse mesmo modelo ad infinitum. E como diz Walter Benjamin, gente, toda repetição em massa perde qualidade.

Enfim, vão aos cinemas, vejam "Nossa vida não cabe num Opala", aplaudam Leonardo Medeiros numa interpretação sublime de como um festival de clichês pode se transformar em um personagem interessantíssimo, entendam por que Maria Luísa Medonça ganhou o Calango de melhor atriz em Recife e ouçam a interessantíssima trilha sonora escrita pelo Mário Bertolotto, escritor também da peça que deu origem ao filme. A fotografia é despudoramente marginal, e a montagem é um detalhe à parte - um sopro de criatividade em meio a essas montagens feijão-com-arroz da Globo Filmes.

Abraços,

L.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

eu vou escrever um livro; ele vai se chamar Tratado Definitivo Sobre O Amor, assim tudo em maiúscula mesmo, porque não é qualquer amor, é O amor, então até fosse justificável ser tudo em minúscula e apenas o artigo em caps lock - tratado definitivo sobre O amor - mas acredito que a editora iria achar muito vanguardista e isso poderia vir a ser um problema nas negociações, e eu não quero problema algum com coisa nenhuma, então está decidido que o título é esse.

***

serão várias histórias dentro de uma só. vários amores dentro de um corpo. um braço. a personagem principal só tem um braço.

***

vou escrever por dias e noites; vou fingir estar trabalhando quando na verdade estarei escrevendo; não mais comerei para escrever, e apenas quando ele tiver 137 páginas estarei satisfeita. ele há de ser definitivo, mas nem por isso chato. e qualquer coisa acima de 150 páginas, hoje em dia, com todo mundo sendo tão prolixo, será chato.

***

ela se chamará manuela. isabel. beatriz. virgínia.

débora.

bárbara. (não, bárbara é nome de puta)

isabel é nome de santa.

virgínia é nome de intelectual.

talvez ana-alguma-coisa.

***
queria não ter de acordar. dormir, dormir, dormir - e não sair de casa.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

não foi nada daquilo, só ando na minha - preferencialmente na cama branca -, esses gatos, esses livros.

a saudade.

de tudo. para todos.

domingo, 10 de agosto de 2008

você me perguntou tantas coisas, muitas coisas
falou sobre a minha raiva
mordendo pedaços de tabaco, queria cuspir
mas
-não tinha coragem.
ihhh, falei demais.
tentei te explicar a intensidade da minha saliva,
mas não, você não quis ouvir
-isso não é bonito, tentou argumentar
-eu gosto da normalidade

ah

poxa

estava tudo indo tão bem.

ignorei o comentário, acendi outro cigarro
começava a chover na janela do rio de janeiro
pequenas gotas de sexo
ilusão
cinismo
e solidão.
você não entende meus poemas, considera todos muito bonitos
mas alguns não foram feitos pela beleza
são feios e sangram
como
-você não vê isso?

tec tec tec
o gato brinca com uma caneta
vermelho virou o quarto
pintada de cinza está a cama
arte conceitual?
você detesta
qualquer
tipo
de
arte
que não seja aquela de tempos imemoriais

uma aspirina repousa suavemente na mesa de cabeceira
sei do seu desejo por ela
e conheço a dor
mas sabe com o que eu sonhei ontem?
uma festa
(ou foi hoje?)
foi ontem, definitivamente ontem

uma festa enorme
numa casa enorme
com balões enormes
e grandes copos de coragem líquida

como em alice,
tudo era muito grande
até os meus sapatos, que invadiram o salão
e eu dançava
dançava
e ria
e gritava
alucinada
anestesiada
capaz
de me divertir
- de ser
alguém
sem
- você.
fui ver batman pela décima-terceira vez, e não por um senso de obra-prima ou o que seja, mas além do fato de levar um amigo ao cinema, um ponto específico da minha tese sobre o nolan tinha que ser provado empiricamente.

o nolan é um obssessivo. como todo grande diretor. que persegue um único assunto - nunca encontra uma resposta, obviamente, porque se encontrasse, adeus grande diretor -, em toda a sua obra. hitchcock é o medo, scorsese é a fé, tarantino é o passado (e mais especificamente, a adolescência).

em todos os filmes do nolan, ele trata de um único tema apenas. dane-se frank miller, batman, warner brothers. e o ledger entrou na onda dele. por isso o coringa não é apenas criação do ledger - 50% pertencem ao nolan. até porque ele escreveu o roteiro as well.

(todo diretor obsessivo também escreve o roteiro; hitchcock trabalhava com story board, o que no caso dele, substitui o roteiro, visto que ele pegava umas histórias chinfrins, uns livros ruins para caralho, extraía o medo, colocava uns passáros na grade - panz!)

se o próximo filme for realmente o do pingüim/charada, vai ser muito fácil. pela própria HQ, os dois já são esquizofrênicos.

(aí você vem e me fala - mas na HQ, o Coringa também era louco! eu te respondo - no de 89, Tim Burton, o Coringa do Nicholson não era louco. era um criminoso, bandido, sagaz, esperto, irônico - charmoso. o Coringa de Ledger/Nolan está no limite entre o sadomasoquismo, o niilismo e a loucura.)

sábado, 9 de agosto de 2008

da minha janela ouço o tiroteio e penso que preciso de veneno, veneno, e chega de aspirinas.

domingo, 3 de agosto de 2008

eu queria dizer quando liguei pra você que estava com saudade e queria que sete anos fossem reduzidos a pó, mas não saiu, porque na verdade não existia. era só ilusão.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

alguééém toma uma cerveja comigo, por favooor?

faltam quatro QUATRO dias para as aulas começarem.

vá de retro, satanás.

terça-feira, 29 de julho de 2008

quando o próximo for escrever almanaque dos anos 00, vai colocar em música que foi a década dos indies da estônia, em filmes que foi a década dos indies de hollywood - garden stante, juno, panz -, os seriados de tevê faliram porque indies não vêem tevê, a década do myspace porque indie que é que indie tem myspace, facebook e o novo concorrente do twitter.

bah, indie que é indie junta com mais 36 e faz uma banda de pa-pa-pa-pa.

quem diria, hein?

***

necessidade máxima: o novo filme do lou reed, a ópera-rock.

tipos, pra ontem.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

pequenas observações

hoje, eu vi uma senhora - velha mesmo -, num desses fast-food de ponto de ônibus, comendo um hambúrguer de r$ 1,99. ela era tão triste, e por ser tão triste, era feia. usava uma saia cinza, uma blusa azul-claro, um colete também cinza, e uma carteira rosa. não tinha ninguém e carregava revistas em sacolas do bob's. revistas que sua filha lhe deu na última visita para saber como iam as coisas - sei disso porque minha mãe dá revistas da semana passada para a minha avó, quando dona carmelita vai lá, saber para onde vai a vida. sentou-se perto de mim, a senhora, não dona carmelita, no ponto de ônibus. quando levantou-se, imaginei quem iria socorrer se ela caísse no vão entre a calçada e o asfalto. ninguém. alguns se mobilizariam para ajudá-la, levantariam seus braços, mediriam seu pulso, talvez até chamassem uma ambulãncia, mas a velha já estaria morta há muito tempo. a sorte foi que quando o ônibus chegou, ela entrou resoluta.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

helena e eduardo

Sentaram-se na mesa, o garçom os acompanhou todo o caminho - o restaurante estava vazio, era no meio da tarde do Centro, as pessoas estavam trabalhando, logicamente não haveria alma viva ali. Pediram uma taça de vinho cada um, aquele mesmo vinho, aquela mesma uva - cabernet, ela adora cabernet - e ela se prontificou a escolher a sua massa - era um restaurante italiano -, mas a quem enganar? Obviamente iria pedir o ravióli de mussarela de búfala com tomate seco e pequenas tiras de filé mignon ao molho rosê - não era isso que sempre pedia? Ela resmungou que estava morrendo de fome, tirou os óculos escuros, apertou os olhos para eles se acostumarem com a nova luz. ele segurou a mão dela, mas quase derrubou o copo com água que chegara fazia alguns instantes. tocava billie holiday - nessas horas sempre toca billie holiday -, e ela sorriu. ele soltou um f, assim meio caído, como não quer nada, para depois juntar-se ao i, e em seguida ao c e ao a. uma palavra ressabiada de ser palavra, sentida do seu significado ser tão menosprezado, desprezado, odiado. uma palavra que não quer ser palavra, não quer significar nada - só a confirmação, ah, a confirmação a faria feliz. fica. menos que um verbo, mais que um substantivo - um medo. a resposta já era certa, tão certa como o desejo dele de passar as mãos por aqueles braços, especialmente o direito, onde ela guardava uma pinta um pouco acima do ombro. obviamente foi não. ela não ia largar o marido-osfilhos-oemprego-areputação-asamizades-asfacilidadesdavidadecasada para se embrenhar em uma aventura - e por que ele não podia se comportar como um homem normal e continuar mantendo as aparências e deixar seguir aquele misto de romance/amizade que já durava quase quatro anos? não era tão bom assim, encontrar-se às quarta-feiras para um almoço, sempre em lugares novos, sair na quinta para uma trepada básica, sempre tão demorada, depois na sexta tomar um drinque com os amigos, e dali só a duas semanas se verem novamente? não era cômodo? o que você tem contra a comodidade? para mim, seria mais cômodo te ter o tempo todo, helena, aqui dentro, muito dentro, perto-dentro, sabe? possessividade demais é doença, ela riu, enquanto segurava delicadamente a enorme taça de vinho da safra de 2003, do chile, e dizia para si mesma: como é bom, como é bom. eduardo não queria começar a chorar, olhou para cima, mas a maldita voz daquela mulher infeliz lhe tocava o coração, aquela ex-escrava que cantava com tudo que tinha na alma - não conseguiu e desatou a chorar ridiculamente, como um menino que perde um brinquedo tão almejado o ano inteiro, aliás, como um menino que desejou, desejou, desejou, e quando recebeu o carrinho por controle em remoto em casa, ah!, ele vinha com defeito de fábrica. helena ficou atônita, quase engasgou com o vinho - coitada -, e segurou a mão dele, repetindo baixinho, como um sonho ruim, passou, passou, a vida é assim, ela não é romântica, aprenda a separar as duas coisas; somos adultos, não dá para largar assim a mão de uma vida estabilizada, correta, e de repente começar a remar contra a maré em direção a uma ilha que nem sabemos se existe. o garçom chegou com os dois pratos iguais, e o copo dela estava na metade, enquanto o dele permanecia cheio, cheio. ele ainda estava com os olhos molhados, e queria chorar mais, todavia temeu que a próxima ação dela fosse levantar-se e ir embora, e isso, ah, ele não iria agüentar - já tinha perdido tudo, e isso helena não sabia: tinha pedido o divórcio, arranjado apartamento, enquanto isso estava em um hotel com suas roupas e seus ternos bem passados, tinha escolhido um apartamento com vista para o mar, onde ela pudesse se sentar todos os dias pela manhã para ler o jornal, e a vida que ele tinha imaginando e já comprado com a poupança daqueles anos todos, a vida, a vida parecia tão perto, quase capaz de pegar com as mãos e beijar abraçar dormir descansado porque há esperança, há a visão do novo, porque há helena. e no entanto, helena estava muito mais preocupada em pegar o exame do marido no centro - a razão pela qual o restaurante da semana fora aquele - do que em vislumbrar o horizonte. uma raiva quente foi o gosto do vinho. teve vontade de ir embora, deixá-la sozinha com suas garras para nunca mais voltar a vê-la. mas aqueles olhos verdes, o cabelo preso de uma maneira tão verdadeira, não preso como sua mulher, ex-mulher, fazia: passar horas em frente ao espelho com o pote de creme ao lado tentando achar um jeito de amarrar os fios de maneira que o lado esquerdo do seu rosto sobressaísse, e enquanto isso o jogo do flamengo ia e vinha e acabava - não, era um preso natural, de quem apenas está com calor, não tinha nada de falso. e quando ela sorria. bah, quando ela sorria, o mundo acabava - é, eu sei o que vocês devem estar pensando, que grande babaca eu sou, usar desses clichês baratos, mas todas as cores do mundo são imediatamente transportadas para o seu rosto quando ela sorri. nada mais existe. o que você está pensando, eduardo? ela perguntou e ele percebeu que havia uma pequena mancha rosa no canto direito da sua boca, e ele sorriu, respondendo apenas que todas as cores do mundo estavam nela. era nisso que eu estava pensando.

terça-feira, 22 de julho de 2008

"nós crescemos. alguns de nós se descobriram amando outros iguais - mas determinados alguns sempre souberam. ela, por sua vez, arranjou uma amante para adentrar seu castelo virginal já não povoado assim pelo namorado-futuro-noivo. ela também é amante dele, advogado. éramos poucos, mas éramos tanto. quando ligávamos o som e deixávamos o corpo ir com a madrugada, tornar-se escuro antes de se deliciar com as estrelas e enfrentar a manhã. pedro sempre odiou a manhã. dizia que o fazia ver com total claridade seus erros. ora, nós bebíamos nossos erros, nós fumávamos nossos erros, nós fodíamos nossos erros. lembro quando ele me encontrou pela primeira vez, ele que se perdeu nos tempos, de quem só ouvi falar parcamente nos últimos anos - o cuidado com o novo, o medo de me perder, a vontade de se entregar mas com pés e braços atados por que me ensinaram que mulher não se entrega. grande farsa.

minha memória começa a me envergonhar. esqueci de pessoas, situações apenas existem porque me contaram. crescer é ganhar esse ar nostálgico - o que eu poderia ter sido e não fui? onde estava quando aquilo aconteceu? funcionou? se não, o que resta é lamentar, lamentar, lamentar. porque não sei olhar para trás, tampouco por cima do ombro, criei um olhar de tal maneria dilacerado que me é impossível regredir - devo andar para frente porque só assim sei, sempre, ainda que isso me custe um pessimismo deplorável e uma terrível falta de memória".

nab.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

just for the records

"Essa abordagem pós-moderna da condição do super-herói prossegue na própria figura do protagonista."

Isabela Boscov, sobre Hancock.

*só pra me lembrar como é a crítica cinematográfica de hoje em dia.

domingo, 13 de julho de 2008

(publicado no portal do sidney rezende)

"Olhos atentos às estranhas formas que vão criando corpo, cor e, por último, movimento. As mãos formigam querendo tocar os personagens feitos em massinha, e se tornam selvagens ao dirigir o carro em terceira dimensão - essa é a 16ª edição do Festival Internacional de Animação do Brasil, o Anima Mundi.

O primeiro dia, sexta-feira (11), não estava tão cheio quando no sábado (12) - mas foi suficiente para encher a primeira sessão da mostra competitiva de longas-metragens: Belawars, uma animação em 2D baseada no livro "Guerra Dentro da Gente", o único livro infantil do poeta Paulo Leminski.

Baita, filho de um casal de lenhadores pobre, sempre teve o desejo de tornar-se guerreiro. Ao encontrar-se em uma ponte com um misterioso mestre, Kutala, que lhe propõe aprender a arte da guerra, o menino foge de casa para enfrentar o mundo: é vendido como escravo, vai trabalhar no circo alimentando animais e comanda uma guerra, até descobrir que os valores mais importantes são o amor e a paz.

Paulo Munhoz e Érico Beduschi adaptaram a obra para a linguagem de história em quadrinhos, dando mais agilidade e dinamismo ao filme. A violência da guerra e as lições aprendidas por Baita ao longo de sua vida estão bem equilibradas - a animação não tende nem para um nem para o outro lado.

No sábado (12), o Centro Cultural do Banco do Brasil e a Casa França-Brasil estavam lotados. Ávidas crianças carregavam pais e avós para conhecer as oficinas no Estúdio Aberto, especialmente a Pixilation - técnica de stop-motion, que consiste em pessoas de carne e osso realizarem movimentos enquanto são gravadas quadro a quadro, formando uma animação. Lembram do clipe "The Hardest Button do Button", do White Stripes, em que Jack e Meg White passeiam por escadas e parques enquanto tocam? Foi todo feito por pixilation. No espaço do CCBB, máscaras, caixas, nuvens - havia um enorme acervo disponível para o público brincar e poder criar seu próprio mundo animado.

Outra oficina também disputada foi a que permitia à pessoa entrar na animação - sensores espalhados pela sala reconheciam os movimentos e transportavam para a tela, onde a criança interagia com siris, televisões, bolhas de sabão e tomates. (A brincadeira não era restrita às crianças, mas foram elas que dominaram o salão - os adultos ficaram um pouco tímidos.)

No horário da exibição da mostra competitiva de curtas-metragens, mais fila. Essa ia da entrada da Praça Animada - entre a Casa França-Brasil e o Centro Cultural dos Correios - até a entrada do CCBB: sessão lotada. Oito curtas dos mais diversos países foram exibidos: República da Coréia, França, Reino Unido, Estados Unidos, Bulgária e Brasil.

O primeiro, "Eden", de Hye Won Kim, veio com um olhar diferente para um tema já bastante mastigado: a indústria do consumo e a proteção dos animais. O curta divergiu opiniões - alguns acharam a violência de determinadas cenas explícita e desnecessária, outros a aplaudiram como animação eficaz e precisa, sem ser pedante, sobre o consumismo.

Em seguida veio um bobo filme, "O Trambolho", de André Rodrigues, sobre os infortúnios causados por um enorme celular analógico, parecido com os primeiros que chegaram ao país no início dos anos 90. Algumas risadas, nenhum aplauso. "Quidam Dégomme", de Rémy Schaepman, é uma belíssima fábula sobre como é mais seguro prender-se à realidade que deixar-se levar pelo lirismo encontrado no cotidiano. Um belo dia, ao jogar seus olhos cansados no prédio vizinho, um garoto observa uma alegre cabra estendendo seu colhão verde no terraço. Esse é o estopim para que toda sua vida se transforme, e seres mágicos adentrem o metrô, a escola, a vida. Mas ele acaba optando pela segurança da realidade em preto-e-branco.

"Yours Truly", de Osbert Parker, é um filme noir que junta carros em miniatura, figuras do cinema, diversas imagens - enfim, uma animação feita a partir de diversos recortes, e que funciona muito bem ao contar a conturbada e trágica história entre os amantes Frank e Charlie. Já "Sensorium", de Karen Aqua e Ken Field, resgata a mágica relação entre música e animação - quem nunca viu "Fantasia?" -, e foi ovacionado pela platéia. "Pojar", de Bilyana Ivanova, usa do humor para criticar uma sociedade baseada em sexo e dinheiro e também dividiu o público: enquanto alguns acharam o filme bem - humorado, irônico e contundente, outros o consideraram apelativo e sádico.

"Bernie's Doll", de Yann Jouette, foi o preferido da noite, junto com "Yours Truly". O curta conta a história de Bernie, operário sem vida, que decide comprar o "kit mulher do terceiro mundo" pela televisão - mas o programa vende apenas partes separadas do corpo, e ele precisa trabalhar cada vez mais para montar sua companheira. O final surpreendente e o refinamento da animação em 3D conquistaram os espectadores.

Por último, foi exibido o "Dossiê Rê Bordosa", de César Cabral, que tenta entender porque Angeli matou uma de suas criações mais famosas - a diva desbocada Rê Bordosa. O curta é um documentário em massinha - com cenas da vida da musa underground - e chamou atenção pelo delicado trabalho de composição: quando os créditos sobem, são comparadas as cenas reais e as de animação, e o trabalho é surpreendente. Os diretores realmente conseguiram copiar todos os trejeitos de seus entrevistados, e criam seqüências deliciosas, deixando um gostinho de "quero mais quinze minutos de Rê Bordosa".

O Anima Mundi fica até 20 de julho e está espalhado pelo Centro Cultural Banco do Brasil, Casa França-Brasil, Centro Cultural dos Correios, Cine Odeon, Estação Botafogo, e Oi Futuro. Os ingressos custam entre R$ 6 e R$ 3, têm meia-entrada, e podem ser comprados antecipadamente."

quinta-feira, 10 de julho de 2008

just quoting

"A obra que determinei escrever ainda não foi escrita, ou o foi apenas parcialmente. Só para erguer a voz, para falar à minha maneira, tive que conquistar cada polegada do terreno. A canção foi quase esquecida nessa luta. E falam em olhar cansado sob o qual as flores murcham e as estrelas empalidecem! Meu olhar tornou-se positivamente corrosivo: é até um milagre que ante meu olhar desapiedado tudo não estoure de uma vez."

H. Miller (Tempo dos Assassinos)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

não costumo e não mais falarei sobre assuntos de política social nesse espaço internético simplesmente porque não tem picas a ver. isso aqui é lugar para eu despejar minha literatura, meu desabafo e, às vezes, algumas idéias sobre cinema.

mas isso está realmente me irritando.

ora, esse menino que morreu domingo passado não foi culpa somente dos dois policiais que confundiram o carro da mãe deles com o carro dos bandidos. foi culpa de todos os cariocas, que aplaudiram o discurso do sérgio cabral em julho/07, na chacina do alemão, quando ele declarou: "é preciso quebrar uns ovos para fazer o omelete". e vocês aplaudiram. pois bem. ovos da favela pode, ovos de asfalto, não?

tava todo mundo rindo com a boca de 64 dentes no pan-americano, e a tática de enfrentamento rolando solta. não sou cientista política nem mestre em segurança pública - e muito menos quero ser -, but you all asked for it. e agora ficam fazendo passeata e pedindo a cabeça dos militares. coloquem as suas cabeças nas bandejas - e de leva o do cabral, do maia e do beltrame, faz favor - e façam um favor a si mesmos. ou a mim, se vocês preferirem assim.

desculpem o incômodo. voltaremos à programação normal.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

distraídos
venceremos
a falta de grana,
o carinho pela metade,
a arte mal feita,
o vinho estragado,
os lençóis sujos.
distraídos
sairemos da estrada
alcançaremos um telhado
-qualquer espaço de terra-
e morderemos o céu.
venceremos
o mar,
o vento,
a serra,
até mesmo as marcas que brotam
no meio da noite
nas nossas costas sujas
e doídas.
distraídos cairemos,
nossos pés irão enfiar-se uns aos outros
na lama
não mais lembraremos nossos nomes
nossas razões
-nunca houve, em verdade-
perderemos nossos olhares nesses buracos
nessas valas
de tantas ruas.
venceremos por sorte
ou por tédio
quem sabe até por algum
mérito
mas
venceremos
distraídos.

terça-feira, 1 de julho de 2008

até um determinado ponto você não acredita mais em deus nem na esquerda. depois você passa a desacreditar na salvação do rock, num bom pastel que não seja em são paulo, na criatividade retumbante que surgia na madrugada, na fumaça preta invadindo seu quarto. você não acredita mais no pleno funcionamento dos seus pulmões, do fígado, dos dedos, num futuro pro país, na nova literatura brasileira. depois de tudo você desacredita na sua faculdade, na pilha de jornais da sala, na bebida barata, no álcool que esquenta, você deixa até de acreditar na tela de cinema e a tudo assiste como quem vê pequenos fragmentos voarem em trens-bala.

mas e quando você deixa de acreditar em você? há solução?

domingo, 29 de junho de 2008

nunca topei listas; sempre enchia o saco no meio e largava, ia fazer qualquer outra coisa - desligue sua lista e vá ler um livro - hehe. piadinha de domingo.

e ontem surgiu isso. listas. cem coisas para fazer em mil dias. complicado. não tenho dinheiro e quero coisas demais. aí eu lembrei de uma outra lista, abandonadíssima, de coisas para fazer antes dos trinta.

panz.

primeiro, pensei que não tinha nada para preencher o papel e me assustei. um grito até foi ouvido na rua das laranjeiras. baixinho, porque hoje é domingo e afins. mas não é isso.

há o péssimo defeito na minha pessoa de não cumprir nada que esteja escrito abaixo de um título COISAS PARA FAZER. total seicho-no-iê, força das palavras, tudo isso. rebelo-me na hora.

eu queria entrar numa banda de rock. oh, yeah. mas como isso não é possível - vejo-me interessada em uma, não vejo uma interessada em moi -, contento-me em ser playback da tina turner.

deixar o cabelo crescer pode ser uma meta. bah, quem eu quero enganar - eu não vou cumprir só de birra.

o torpor de cada um de nós consiste em negar teorias diariamente. queéisso, vou pegar meu sax e sumir por uns tempos.

quem dera.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

- por que eu tenho a constante sensação que todas as pessoas têm uma vida melhor que a minha?

- talvez porque realmente tenham.

domingo, 22 de junho de 2008

who knows?

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Querida Nina,

O vento de repente tornou-se seco. Mudou a estação, só pode ser. Algo muito comum aqui no Rio de Janeiro: acordar verão, crepuscular inverno. Amanheceu seco principalmente porque assim ele foi comigo. Respondeu à minha mensagem cheia de amor com um simples "combinado". Começou a chover agora, mas estou com calor. A luz dos postes diminuiu, os carros passam ávidos por casa, cama e cobertor - ei, são duas horas da tarde ainda. É o mundo me dizendo em sua língua de raios, trovões, ventos e chuvas que estou no fim - bati em um muro; não há mais volta.

A realidade é que o clima muda o tempo todo, os ventos vão e vêm em suas inúmeras correntes quentes e frias, e as marés, bem, ninguém nunca sabe aonde as marés vão dessa vez, e veja bem, eu sempre acreditei muito nesses sinais que o mundo deixa por aqui e por acolá, afinal, se você não pode confiar no seu vizinho - ou qualquer vizinho -, a única alternativa é acreditar no imaterial. Há muito desisti de crer em qualquer coisa capaz de falar em minha língua ou em qualquer outra, e principalmente, capaz de sorrir. Um sorriso é o pior inimigo: capaz de mentir sem pronunciar uma única palavra.

Minha querida Nina, o tempo está para morangos, como nosso CFA premeditou. Fico repassando fotos e mais fotos, tentando extrair delas um elixir da felicidade, sabe? um líquido azul e brilhante que me transporte apenas para o momento exato do clique, o momento feliz, de dentes altos e brancos. não vou falar de ninguém mais, mas estou sempre indo atrás de uma felicidade falsa, estampada em papel fotografia 15x21, presa em segundos.

(queimei todas as cartas de amor e me mordo quando surge a vontade de escrever uma nova. até agora, não perdi um dedo.)

segunda-feira, 16 de junho de 2008

do professor de estética:

"l., super legal, você tem uma leitura rápida e eficiente e muito boa, e você escreve muito bem suas idéias nos resumos. você maneja bem pacas esse negócio de 'expressão e linguagem', que, na minha ótica (estética), é uma forma de arte! e das mais difíceis!"



obrigada por puxar minha auto-estima lá do abismo.

domingo, 15 de junho de 2008

a vida vai e vem, e o que não era para ser meu não era e ponto final. não adianta chorar - minhas lágrimas são caras demais para serem jogadas no chão por algo tão pequeno. amanhã é segunda, depois é terça, depois é doismilenove; eu sempre terei vocês, nina, gui, lou; o que é meu ninguém tira. o resto, eu vou levando.

mais nova, me incomodaria mais. a maturidade me deu windows media player, soulseek e marlboro para agüentar as perdas. e os danos. erguendo o queixo e empinando o nariz como só eu sei fazer; ah que saudade daquele piercing no nariz, talvez eu até bote de novo, só para ter o secreto prazer de ver a argolinha brilhando enquanto eu peço mais uma cerveja. estamos sempre aí, amigo. vida que vai, que vem.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

aqui no trabalho, aqui na faculdade, aqui na VIDA, vamos assim resumir, eu sou conhecida como a garota da bolsa aberta. minhas bolsas estão sempre escancaradas e geralmente com algum papel saltando para o mundo, meio em posição de bebê. e as pessoas do trabalho, da faculdade, da VIDA, vamos assim resumir, acham isso um absurdo. uma completa falta de privacidade, uma atitude quase pornográfica, chamem os seguranças, a menina deixou a bolsa aberta!

eu não vejo nada demais. mesmo.

vamos pôr desse jeito: se a moda mora na Fifth Avenue, eu tenho uma casa no Bronx. não uso aquelas bolsas enormes a tiracolo que parecem estar prontas para engolir a dona, o cachorro, a mãe da dona e sua conta astronômica de cartão de crédito. minhas bolsas são pequenas até. therefore, comportam pequenas coisas como cigarros, papéis, canetas, pen drive. elementos pornográficos, veja bem.

e outra coisa. eu sou desleixada por natureza - deve ser coisa de baiano, encarar qualquer lugar em que permaneça por mais de trinta minutos como seu -, e eu já considero minha minisalasemjanela uma parte de mim, o meu cantinho, onde meus amiguinhos vêm me encontrar pela manhã quando estão sem nada para fazer. e venhamos e convenhamos que na sua casa você deixa a bolsa aberta. ora bolas. ou você imagina que nem dentro de casa está protegido?

agora. invasão de privacidade meu orifício anal. ligar para o celular de X e perguntar, como se fosse a coisa mais normal do mundo: onde você está? fazendo o quê? invasão de privacidade SIM. deixar a bolsa aberta. invasão de privacidade não. ligar a sua fucking webcam no meu emessiene. invasão de privacidade SIM. deixar a bolsa aberta NÃO. sabe por quê? - além do fato já mencionado de não existir nada demais no meu pobre acessório - eu não estou esfregando minha vida na sua. quem pega um binóculo para tentar descobrir o que está escrito no papel histérico emergindo da minha sacola é um PSICO, procure tratamento. mas não me acuse de invadir a sua privacidade.

terça-feira, 10 de junho de 2008

há quem diga que eu não sei de nada
que eu não sou de nada e não peço desculpas
que eu não tenho culpa, mas que eu dei bobeira
e que Durango Kid quase me pegou
eu quero é botar meu bloco na rua.


e assim o ano vai passando
como um tango ruim deslizando pelo salão
sem compasso certo
sobreviveremos ao tango, como
a quase tudo: a cerveja quente,
o beijo mal dado,
o tempo finito.

domingo, 8 de junho de 2008

CENA 1

(Escuro. A luz aparece lentamente, revelando duas mesas e um balcão de bar. Em uma delas, à esquerda, estão sentados dois homens: o primeiro mais velho e o segundo, um tanto garoto. Na mesa seguinte, uma mulher está deitada em cima do braço. Benny está limpando o balcão, com sono e um tanto mal-humorado. Ouve-se um jazz muito baixo).

DAVIS: Não se faz mais música como antigamente.

BLAKEY: O que você está dizendo? Que música?

DAVIS: Essa música. Não está ouvindo? Olha esse piano... Ninguém mais toca o piano. Virou peça de museu.

BLAKEY: Benny! Aumenta a música.

BENNY: (ainda limpando o balcão) Não dá, Blakey. A noite tá acabando, e além disso, a moça aqui está dormindo.

BLAKEY: Moça? Que moça?

DAVIS: Atrás de você.

BLAKEY: O que ela está fazendo aqui essa hora, Benny? Não apareceu ninguém para levá-la em casa?

BENNY: Chegou sozinha, a noite inteira bebeu sozinha, sozinha dormiu na mesa.

DAVIS: Há algo de muito estranho no mundo quando uma mulher dorme sozinha em um bar.

BLAKEY: Você não acha melhor acordá-la, Benny?

DAVIS: Daqui a pouco, isso aqui fecha. Vai deixar a moça sozinha aqui?

BENNY: Não sei ainda.

BLAKEY: Você pode deixá-la dormir... Se ela acordar, ela te chama. (ironicamente) Você não vai a lugar algum, não é, Benny?

BENNY: A minha vida não é de sua conta, Blakey.

DAVIS: Calma, Benny. O garoto só deu uma sugestão.

BENNY: O seu gosto para garotos sempre foi péssimo, Davis. Bêbados e arrogantes.

DAVIS: São os mais fáceis, meu querido Benny. Os mais fáceis.

(Mulher levanta a cabeça)

SONIA: Onde estou?

BLAKEY: (vira-se) O dono disso é aquele ali, ó.

BENNY: A senhora quer uma água?

SONIA (um pouco assustada): Não, não... Tenho que ir, voltar, antes que o dia amanheça. (tenta levantar da cadeira, mas não consegue)

BENNY: A senhora bebeu muito, a água vai melhorar.

(Benny sai)

BLAKEY: Você não tem marido?

DAVIS: Blakey, comporte-se.

SONIA: Eu... Não... Quer dizer, tinha.

BLAKEY: Tem ou tinha?

DAVIS: Blakey, deixe a mulher em paz!

SONIA: (falando sozinha) Tinha, tenho... Não sei... (começa a chorar)

(Benny volta com a água)

BENNY: Sua água.

(Sonia empurra o copo)

SONIA: Não, nada... Nada vai me fazer melhor. (Benny volta a limpar o balcão)

BLAKEY: Teu marido te abandonou, foi?

DAVIS: A senhora não precisa responder se não quiser.

SONIA: (explode) Eu tive que matá-lo!

(As luzes se apagam)
flamengo é um bairro estranho, muy raro.

sem vontade alguma de sair, enfiei uma blusa branca com o taz enorme estampado no peito, uma calça jeans e rumei ao lamas. desci no ponto: duas vermelhas velas. questão de cinco segundos: estou em salvador, onde as pessoas deixam pratinhos para exú? mas isso não é uma encruzilhada e não estou vendo nenhum mato pelas redondezas. melhor seguir reto. logo depois, uma feira humana noturna. quatro homens, side by side, cada qual carregando sua parte neste latifúndio: batatas, bananas, maçãs e laranjas. sacos enormes. quilos e quilos. levando para uma terceira dimensão, só pode ser.

no lamas, um casal de recifenses, recém-chegados ao rio de janeiro. de ônibus. ele bebia chopp e comia a terrível empada de sopro do balcão. ela pediu um suco de menta com laranja e queijo minas no pão integral. discutiam aonde iriam dormir. e o lindo futuro pela frente, agora que chegaram na cidade grande. não sei qual o pior: vir para o rio e não ter onde cair morto ou viver em recife, aquela cidade com cheiro de mijo. para a mocinha do pão integral (no lamas! pão integral no balcão do lamas!), as luzes do rio são as mais bonitas do mundo inteiro. fui embora sem saber o resultado da conversa. cruzei com dois travestis montados dos pés à cabeça saindo do mcdonald's - iam andando, em um salto altíssimo, até a praia. eu não consigo me equilibrar num salto daquele. muito menos andar uma rua inteira. uma pontada de inveja.

no supermercado vinte e quatro horas - estava com insônia, geladeira vazia, uma lata de pringles sempre vale a pena -, habituais personagens: os amigos de rua, que todos os dias juntam os dez centavos jogados no largo e compram a caninha de um e cinqüenta. chegam bêbados. passam o dia dormindo, de ressaca do alambique, para acordar à noite, beber mais e ir comprar a outra. outros habituais: o casal de botânicos que compra flores para brincar de laboratório caseiro. já encontrei com eles duas, três vezes. têm predileção por margaridas.

e sempre há a mesma personagem - a cada noite, porém, com uma nova atriz: a dona-de-casa da madrugada. ela faz as compras do mês às duas e meia da manhã sem filhos birrentos, sem marido beberrão, sem celular tocando. o supermercado inteiro, só para ela.
estranha fauna, essa do flamengo.

terça-feira, 3 de junho de 2008

tenho uma raiva para com pessoas enamoradas de regras. tudo é regra. há que seguir as regras, senão elas vêm puxar nossos pés quando estivermos dormindo. fuuuh. sem paciência.

pausa para frase de efeito.

regras existem para serem quebradas, ôu!

fim da pausa para frase de efeito.

ainda mais em uma faculdade de comunicação. se os modelos não forem invertidos, recortados, encurralados, soterrados, renascidos, o terreno fica árido. e aquele deserto enorme, recheado de pontos exatamente iguais. que grande chatice.

jornalistas da gávea, uni-vos! vamos ali no departamento de engenharia robótica ver o pessoal se matando para quebrar um paradigma. estou de saco cheio de ouvir a mesma indagação, de olhos apavorados todos os dias: "mas isso não é ousado demais? não infrigiremos as regras?"

e olha que isso são trabalhos de faculdade, não é a vida real.

tsc tsc tsc.

domingo, 1 de junho de 2008

solidão não é um problema para mim; consigo me virar com os livros e os filmes, e afinal de contas, a minha companhia não é tão ruim assim para ir ao CCBB ver a nova exposição.

o impossível de agüentar é a drástica combinação: domingo + chuva + computador quebrado. sem nada alcóolico na geladeira, sem coragem de comprar a velha boa dupla cabernet & marlboro nesse cair de água desgraçado; já li e reli a piauí desse mês, cansei do ike & tina, revirei meus cds procurando aquele cd da billie holiday, para me tocar, uma hora depois, que esse disco já voou há muito tempo, quando ainda fazia aulas de inglês para ser uma boa professorinha caso não conseguisse arrumar nenhum emprego, e um maldito de um professor de nova york apaixonado pela bahia - vá entender - me pediu a porcaria do cd emprestado. em troca, a gravação ao vivo de um dos últimos shows do chet baker. ok, ok, emprestado. fui uma boa menina - copiei o cd, devolvi na última aula, e oh my fucking god! i'm so sorry, letísiiiiia, i'll give you back next week, give me your e-mail. ingenuidade mandou lembrança, uma cesta de páscoa e um murro na orelha.

a solução - não, enlouquecer não é uma alternativa válida - seria ligar para pessoas conhecidas e implorar - sutilmente, sempre sutilmente - para tomar um chopp escuro no fim de tarde deste domingo. um quer ficar sozinho. outro não pode falar. o terceiro - nem há terceiro, a regra desses vinte anos é quando uma coisa dá errado duas vezes nem adianta limpar a agulha; a solução é trocar o disco mesmo.

coloquei o melhor cachecol - a bem da verdade, o único habitando meu armário -, a camisa com a manga mais longa, enfrentei os bueiros de laranjeiras - sim, toda chuva os bueiros se abrem, como que para engolir a terra -, e vim para a lan house. maldita vida de lan house. queria ligar o som no máximo para ouvir essa nova banda do meu amigo, alphamobile, e cara! como eles fazem um blues legaaaaaaaal, gostoso, maneiro. agora todas essas novas bandinhas querem tocar mpb, botar umas cantoras magrinhas fazendo sambinha - coé, tô de saco cheio disso. quero ver fazer um rock sujo, bêbado e caído pelas tabelas e em português. tô sentadinha ali, ó, esperando.

mas não dá, né. tem uma criancinha aqui. e clientes - provavelmente eles não iriam gostar se eu colocasse umas blueszeira em pleno domingo de chuva no volume máximo. ah, computador, como faz falta você.

*e caso você, sim, VOCÊ, queira tomar um chopp, estamos aí. celular serve pra isso.

sábado, 31 de maio de 2008

bizar world

estava eu na fatídica aula de espanhol aos sábados, nove horas da manhã, querendo assassinar-me pela estúpida idéia de preencher as manhãs vazias, quando a professora resolve discutir diferenças culturais. a pauta do dia são os cariocas imporem limites à intimidade excessiva dos baianos e mineiros. engraçado... se fosse em um certo tempo atrás - não, não sei precisar quando os dias se passaram -, eu concordaria em gênero, número e grau, e ainda diria mais! vergonha de ser baiana, não nasci lá, não. deve ser alguma coisa da água estragada de laranjeiras, porque ericei os pêlos, pronta pra soltar toda a verve em defesa dos baianos - não, não somos dados nem inconvenientes, vocês, cariocas, que são grossos e malandros. isso em pensamento, claro. eram nove alunos, eu poderia apanhar e não estava preparada para isso; imagine, receber a primeira surra da minha vida por defender a bahia. bizaaaaaaaaaaaaaaaar. respirei fundo, cantarolei alguns versos do ike & tina, e me peguei pensando se a distância conseguiu limpar os pecados daquela terra infeliz.de fato, não. uns cinco minutos tentando pensar em alguma coisa naquela cidade palatável, e... nada. mas os pêlos foram eriçados muito facilmente... bizaaaaaaaaaaaaaaaaaaar.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

poesia nossa de cada dia

- alguém tem uma caneta para me emprestar?

- vou te dar minha caneta que vem com uma bússola, para quando você quiser sumir, depois se achar.

domingo, 18 de maio de 2008

974 dias para a libertação.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

totaaaaaaal saco cheio de gente que não tem mais o que hacer de sus vidas e fica falando da alheia, no caso, da minha. vamos lá, gente, eu não sou tão interessante assim. sou mó simples, tenho dois gatos, um trabalhinho de merda, escrevo umas coisas aqui, publico acolá. não precisa gastar tanto tempo do seu dia inventando coisas a meu respeito. vai trabalhar, vagabundo. mind your fucking business que eu tô aqui, ralando, cuidando das minhas. as coisas escritas aqui NÃO NECESSARIAMENTE tem a ver com a realidade, valeu?

estou farta de sociopatas sem tratamento adequado procurando ajustar sua ilusória felicidade às minhas costas. vai procurar o que fazer.

passar bem.

se me permitem,

"Quanto a Ema, não se interrogava para saber se o amava. O amor, no seu entender, devia surgir de repente, com ruídos e fulgurações, tempestade dos céus que cai sobre a vida e a revolve, arranca as vontades como folhas e arrebata para o abismo o coração inteiro. Ela não sabia que nos terraços das casas a chuva forma poças quando as calha estão entupidas, de maneira que se pôs de sobreaviso, até que subitamente descobriu uma fenda na parede".

Madame Bovary, Flaubert.

terça-feira, 13 de maio de 2008

uma fábula em dias de sol

os deuses incas reverberaram, com suas vozes metálicas, bons tempos de colheita. alguns poucos dias de devoção, afinal, o homem deve reconhecer sua existência servil e curvar-se à vontade do destino. ou dos deuses, o que é basicamente a mesma coisa. alguns camponeses, contudo, revoltaram-se com tal condição: onde já se viu ter toda a vida governada por esse malditos anciões? vou mais é arrumar minhas tralhas, encher com um pouco de milho e mais um pouco de cachaça. gastar essas botas furadas e encontrar alguma coisa pelo caminho. os deuses, obviamente, ficaram furiosos - faz parte da condição natural de ser deus a fúria -, queimaram a casa dos camponeses e engravidaram as mulheres. quem agora teria coragem de insurgir os grandes incas? um desses mirrado, que ninguém presta muita atenção por ser baixo e feio, e não muito esperto, estava de saco cheio da esposa que não sabia cozinhar, arrumou umas galochas velhas e partiu. foi ser pescador na bahia.

domingo, 11 de maio de 2008

Luiza, na cama, sentia-se tão só. Antigamente, chegava a doer; hoje, já se acostumou. Espera pacientemente o andar das horas, até vir o sono e conseguir dormir para um outro dia no qual, provavelmente, nada acontecerá. Na verdade, não pode dizer que se acostumou à solidão, porque isso não acontece com ninguém, é uma mentira, uma grande ilusão, mas pode sim, de boca aberta, dizer que ela não mais incomoda tanto - e de certa forma, necessita-a. Está tão incrustada em Luiza que já não concebe um tempo sem espaços vazios. Provavelmente por isso adotou livros. Eles não falam, mas precisam do seu amor como precisa do carinho deles, encostados ao seu dorso. Tem saudade do tempo em que dizia não acreditar em nada, quando acreditava em tudo; e agora, provado o veneno, é amargo soltar tais palavras. A língua dói. Quem inventou essa história do amor ser uma doação é um idiota. O amor é estupro. Rasga toda pele, e ainda pior, devasta a alma. Sem deixar considerações finais. Nem ao mesmo um epitáfio. Tinha pensado, há duas semanas, em parar de fumar, mas o cigarro dá um prazer inigualável - convenhamos, se a vida não oferece isso, há de buscar em uma nova fonte. Viver sem algum tipo de prazer mundano, isso é impossível. Conhece muitas pessoas adeptas dessa prática satânica, mas você conhece esses rostos cheios de sulcos e sorrisos esgarçados - eles não são bonitos; talvez como quadros cubistas.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

não consigo dormir há três dias; deve ser o meu cosmos mal influenciado por urano entrando na quinta casa (não sei o que isso significa; minha mãe, sim, ela é astróloga). reviro-me no lençol azul, estabelecendo contato com músicas antigas, personagens da idade média e vizinhos desavergonhados. também tento uma comunicação com as partes íntimas do meu cérebro, mas elas não estão a fim de muito papo esses dias - as feridas ainda não cicatrizaram. tentei ver um filme anteontem, mas, oh paradoxo, a tela 14' irrita, a maior especulada por mamãe me agonia. voltei para o lençol azul e os contatos de quinto grau com personagens da frança, século XVII. ou até de salvador, típicos trovadores medievais querendo estabelecer contato à força. sorry, but no. sou desejosa. de quê, pergunta maria antonieta em forma de gato, e pior, em uma nova versão masculina, mas ainda com acessos de futilidade. de perigo. essas quatro paredes até que são interessantes quando o problema não é com elas, já que são quatro paredes feitas para serem nada mais que quatro paredes; e a cidade, fazer o quê dela? transformou-em duas paredes: ida e volta.

terça-feira, 29 de abril de 2008

quando desço do ônibus, o relógio marca dez horas de noite. em ponto. abro a porta, o gato preto me recepciona. estranhamente, há comida no prato. por ter demorado tanto a chegar, pensei que já estaria comendo reboco de parede. um banho. antes de tudo, um banho. uma chuveirada rápída, que é para não demorar muito. largo a calça e a blusa em cima da poltrona, e a calcinha preta voa longe. sentindo-me culpada pelo atraso, boto mais comida pro gato; merda, derrubei tudo. amaldiçôo trezentas vezes essa maldita culpa cristã - culpa de tudo, de existir, de nascer pecadora. não quero ler a folha e com o rabo de olho o hamlet em cima do sofá espreita - ei, esqueceu de mim? tiro uma pizza da geladeira, de ontem, a pior de todas, a sem tesão algum de ser pizza, já virou uma massa, quase papa de presidiário. junto forças para não desabar na cama. despejo o quadril na cadeira e sonho com a terça-feira em que meu dia acabará às oito da noite.

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péssima escolha, menina, péssima, essa de não perdoar.

domingo, 27 de abril de 2008

tenho dois gatos. o branco, Lou, e o preto, Nikolai. Lou é imponente e anda sobre o assoalho de madeira como se este fosse um tapete vermelho, com fãs e jornalistas ávidos o esperando, e ele a ignorá-los solenemente. Nikolai é quase humano - carente e inseguro, desconta o ciúme que tem do irmão mais velho e mais refinado na comida; de dois em dois dias um saco novo de ração. quando abro um livro na cama, o preto me faz companhia e esparralha-se na janela, perdido entre as cores (o vermelho e verde do restaurante, o azul e amarelo dos ônibus, o laranja das latas de lixo) e o barulho de laranjeiras. o branco, por sua vez, não gosta de parecer necessitado de amor: quando quero dar carinho, ele reclama, emburrado; uns vinte minutos depois, se aninha dentro das minhas pernas cruzadas para dormir enquanto escrevo. como dois irmãos, eles brigam sempre que se consideram desprezados; derrubam caixas, lençóis, livros e um dia o Nikolai até quebrou o telefone. eu tenho duas opções: assistir ao caos passivamente - que dura entre treze e dezessete minutos -, o que eventualmente, os cansará ou tentar apartar a briga para largar tudo e ficar horas coçando a barriga dos dois. quase sempre eles me ganham.

sábado, 26 de abril de 2008

Jean-Luc Godard, cineasta, disse certa vez que, independentemente da qualidade, todo filme tem o mérito de nos transportar para determinada época. Essa é uma das características mais atraentes de Definitely, Maybe. Os anos 90 - ainda mais, os anos 90 em Nova York - estão representados em todo o seu yuppisimo, surgimento da internet e febre democrata.

Mas, além disso, o roteiro é uma reinvenção das comédias românticas, esse gênero tão ascoroso e que desde a última safra da Meg Ryan perdeu público e tornou-se paródia de si. O herói conhece a mocinha, por circunstâncias adversas (família, trabalho, amigos, ex-namorado) eles não ficam juntos, tropeçam algumas vezes, se esbarram mais outras, e terminam happily ever after. A massa cerebral dos roteiristas é gasta em inventar diferentes situações para o belíssimo casal ficar junto para sempre. (Trama essa responsável pela desilusão amorosa de 99% da população - escolada na lição de 'amor eterno e único' de Hollywood).

Definitely, Maybe é a história de como o nosso herói ficou sozinho. A seqüência inicial nos revela um pedido de divórcio, onde falta a assinatura de William Hayes - publicitário frustrado e já com algumas entradas como moldura. Conhecemos sua filha, Maya, que após uma péssima primeira aula de educação sexual, quer, enfim, entender como foi fabricada. Com medo de magoar a menina - afinal, destruir contos-de-fadas não é uma tarefa interessante -, e sendo pressionado por um lindo rostinho, Will decide contar suas desilusões amorosas com as mulheres que teve - trocando os nomes, alterando alguns fatos, e que Maya se vire para descobrir quem é sua mãe.

A delicadeza da história está na aproximação que Adam Brooks, diretor e roteirista, fez com o espectador: são pessoas reais que estão ali, largando sua vida interiorana para lutar por um ideal em Nova York, descobrindo como se virar, conhecendo pessoas no trabalho - finalmente, em uma comédia romântica, as pessoas trabalham! Já vi filmes em que o ato de se levantar e ir ganhar dinheiro é visto como uma afronta ao amor. É um fato: pessoas conhecem seus pares no escritório, e não em esbarros na rua, quando sininhos tocam e a neve começa a cair em flocos mínimos e calmos sobre o gorro da menina.

As pessoas erram o tempo todo. Falam sem pensar, tocam em assuntos proibidos, traem o namorado - e nem por isso elas devem ser excluídas do filme. O diretor devolve à comédia romântica inseguros, gagos, infiéis, perdidos, travados - personagens que precisam de umas boas sessões de terapia. Mas Brooks não ri na cara deles.

Há erros, sim, e eles se concentram nos vinte minutos finais. A sensação é que o desespero subiu à cabeça quando diretor/editor perceberam o relógio em 1h40, e decidiram apressar tudo para cair no desfecho simples e vazio do gênero. Mas há méritos, e muitos. Um alívio.