terça-feira, 24 de novembro de 2009

do abajour

manuela acendeu a luz furiosamente. nunca imaginou que um advérbio - ainda mais esse, cheio de som - fosse caber para essa situação. mas foi. furiosamente. eduardo havia insistindo em comprar o abajour. porque iria combinar com a mesa ao lado da cama. não adiantava pingar, todos os dias, a conta de luz, o barulho do botão, as interrupções noturnas. sem luz, se é obrigado a dormir (quando não consegue dormir, manuela imagina uma gangue de traficantes invadindo a casa na madrugada; precisa fazer silêncio, muito silêncio, antes que percebam a dona irrequieta). mas agora eduardo possuía a maior das invenções humanas: o abajour. azul, ainda por cima. antes tivesse tido apagão. manuela virou-se de costas. andando sobre nuvens e tragédias, aliás. leu outro dia em um livro. de quem é essa frase? (pensaria melhor sem.) manuela não anda, desagüa. nuvens não agüentam; mas ainda se agüentassem, provocam muita luz em muitas formas. e manuela é uma só.

domingo, 22 de novembro de 2009

do medo

existe algo em relação ao medo. não é o amor que come sua identidade. é tudo muito bonito no papel, no palco, sob luzes e holofotes - mas identidade mesmo quem come é o contrarregra.

porque medo, veja bem, é regurgitar sonhos. assim, na metáfora barata porque somos todos muy muy baratos e habitamos en miami, chica. medo é a ana, a vizinha do 902, com quem você brincava de pega-ladrão, mas nunca conseguiu emitir nenhum som além de "peguei". daí que a ana tá hoje casada com um dentista, fez uma reforma de porcelana tem pouco tempo e você taí, vendo televisão do lado de alguém que nem sabe quem.

ter medo de ladrão é muito fácil, é esperado, é o rotineiro, café com bolo de cenoura. outra coisa é o carro furar no início da estrada, e o céu, negro e estrelado como nunca, engolir suas frases. a pé, em uma escuridão sem fim, e sem lugar pra ir - é uma estrada, não sabe?

não é o medo de receber rosas e ser uma bomba - é de receber as mesmas rosas e não ter a mínima idéia de quem as mandou, porque não há ninguém. o mais lógico, então, seria mesmo ser uma bomba. mas não é.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

ganhei máquina de lavar, dois puffs (um preto e outro azul), um ventilador para os dias áridos, uma capa azul céu, salpicada de branco, para o sofá, liqüidificador, ferro para clarear as idéias, uma piscina de plástico para se fazer de feliz e uma rede. vou pendurá-la naqueles dias bem luminosos.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

meu deus, chegou o natal. e 2010.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

é chegada a hora de dizer tchau a laranjeiras. so long, goodbye. foram 2 anos e 9 meses convivendo com seu antônio, o psicopata do prédio em frente, o vizinho jazzista e seu pai alcóolatra (o grande clichê do 302), o síndico e sua mulher que adorava quando ele viajava, os músicos do quinto andar, o adolescente espinhudo que em 60 meses não aprendeu a tocar gone to be wild, o entregador de jornal, de leite, de princesa, o italiano, o português, o vazio. laranjeiras à noite produz desespero em almas recém-rendidas. caleja-se um pouco, mas chega-se lá.

anteontem, estava dormindo e uns malucos na rua começaram a gritar. malditos. quis jogar o computador pela janela, mas desisti e só coloquei a cabeça. estavam espancando um homem, aparentemente, ladrão de velhinhas. ensagüentou-se ao lado da tenda de frutas.

acordei hoje, com o céu tão azul - poderia ser usado como chroma-key -, e o bafo do inverno carioca no cangote: as flores amarelas estavam espalhadas, agarradas ao asfalto. um tapete dourado de ilusões na rua das laranjeiras.

outro dia, creio na quinta-feira, dormi no ônibus. vinha de uma filmagem de dia inteiro, sol-chuva, praia, tempestade, segura tripé, não morre, não. apaguei. sonhei, até. o cobrador me acordou na porta de casa.

em laranjeiras não tem mercado, não tem padaria, não tem farmácia. o restaurante é italiano, o clube é judeu, a doceira é japonesa. o cineclube pertence a um senhor, amigo de anselmo duarte, que divide as estantes por diretores. duas amigas estilistas dividiam um ateliê na rua das laranjeiras; foram para a gávea, faliram. em muitas madrugadas, a tal rua foi minha companheira - andávamos de bicicleta, contávamos segredo, somente eu e ela.

eu volto. quando os preços do aluguéis forem mais baratos ou quando conseguir comprar aquela casa, no 550.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

sinto novos ventos vindo pela esquerda. devo descer a ladeira rumo ao mar.

acho que sim.

acho que é agora.

acho que vamos.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

determinadas coisas a gente não perdoa. nem deus perdoa. alice não esquece o tapa no rosto, de marca quente e pele fria, agarrada à parede, com desejo de matar. matar mesmo. a gente que vibra em filme do clint eastwood não entende desejo de matar, de pegar o garfo e enfiar na garganta até ver sangue.

daí alice correu, só de camisa, pela rua, e tava sol. um sol do caralho. chorou pra caralho também. enrolou as mãos no peito e se fez uma só, até esmiuçar tudo quanto era água dentro. depois recolheu o que ainda havia de dignidade e foi embora.

agora. você vem, diz alice, e me pede para superar? para esquecer? para passar por cima? alice anda dormindo pouco, muito pouco.