segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

como tá sua mãe você soube que raquel engravidou? mas diabo, afinal, o que você tá fazendo com esse homem? - o disparo, o disparo, preste atenção no disparo - sonhei com você: uma estilista linda, de cabelos curtos, e agora você me aparece aqui com esses parcos fios! (mais uma garrafa de vinho) gosta dessa tinta azul nas unhas? a noite anda veloz adoro seus olhos quando você bebe - aliás, a gente se conhece há quanto tempo? te contei do meu novo garoto? ele é lá do rio - mas sabe o que mais me impressionou no filme? porque ele é sobre a gente.
- mãe, onde viver é útil?

- filha, é como diz bandeira:

a vida não vale a pena e a dor de ser vivida
os corpos se entendem
mas as almas não
é melhor dançar um tango argentino

mas daí você vai fazer o quê?
a linha percorre saltos
te encontro depois, às cinco,
quando estiver mais calmo
- tudo bem?

lembra quando tínhamos os lábios ardidos

mas o projetor de super-8 continua
na mesma posição
- e sua mãe, como está?

da lição de francês, guardei o pior: comme ci, comme ça

aquele azul, límpido
cerrilha a madrugada

a verdade, meu caro, mora nos círculos:

- foi onde guardei a prova elegante
do teu salto mesquinho.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

ah, falta pouco, mas falta tão pouco para o azul se esvair em vermelho.

domingo, 19 de dezembro de 2010

tento inutilmente te escrever um verso onde tu não cabes.
eu escrevi: uma frase, duas, três. coloquei pontos, vírgulas, passei tinta nas unhas. de pouco serviu; adiantaram as contas do mês - aliás, as contas do ano ainda sequer apresentado. so, i waved for you - foi erro meu, querido, impulso matutino, sabe como é? acreditei, fiz fé, até segurei as cordas do varal quando ouvi a tempestade chegar. e numa manhã de domingo, soltei. e lá fiquei, enquanto choviam baldes, raios, sapos e intimidades, de mãos livres, enquanto todas as roupas seguiam seu rumo, livres, invadindo muretas e sobrados. estendidas no chão.

depois, tranquei a porta e fiz um café. rodei a chave e fui embora. paguei as contas?

sábado, 18 de dezembro de 2010

mariano,

por que manter o olhar é tão difícil?
eu leio ana c. porque ela fala comigo: é o diabo do interlocutor; a poeta sabia para onde apontar as suas vírgulas (são poucas, é bom dizer). afogamento circunstancial em vírgulas: seria um defeito, ana? de gramática, conheces bem; aqui, nunca foi o forte. escrevo cartas imaginárias e diletantes para a autora deste rosado livro, cartas que tornam-se poemas, cartas que tornam-se rascunho, cartas que morrem por serem cartas sem destinário conhecido (ausente, pois sim). a poesia de ana c. conclama quem quer que esteja do outro lado a revoltar-se, levantar-se da cadeira e agir. porque dói. a poesia de ana c. corta. espirra sangue; e não necessariamente o dela, mas o meu, aqui, de quem está vivo e de quem lê. de quem ficou. a minha poesia tem muito de ana c., como também tem de rimbaud, de blake, de miller, de bukowski: no fundo, estamos todos sós contra nós e aqui da janela o cenário não parece muito apaziguador.
"eu queria jogar minha intimidade, mas ela foge eternamente. você tem razão, ela escapa. é o drama de toda literatura. " Ana C, em 1983.
as for me, all birds are you.
começou mordendo a boca. terminou engolindo os dentes.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

começou assim: estamos terminados. você vai, tem seu filho, aninha-se na nova casa, assume outro nome e guarda as réstias de sol em baús arejados. eu sofro pra caralho, arrumo minhas malas - as esburacadas e as perdidas -, encontro uns homens aqui, outros ali, e tudo fica muito bem. tudo muito bem. passam-se alguns dias, você de óculos escuros me oferece uma carona: não, não, mas o trânsito do rio de janeiro é tão infame, vou esperar mais um pouco, tem certeza, olha lá, não quero que chegue atrasada, desligo o celular e esqueço do táxi. estamos terminados, digo e repito. com ênfase e negrito. penso nas letras que deixamos de escrever, nas cores que perdemos dos poemas nunca revisados, do gosto do vão aberto da sua boca. estamos terminados, você lembra. mas segura a mão direita (a minha, eu quis dizer). escrevo um bilhete canhestro na sua orelha: estive lendo um conto de chorar; queria ler para ti algum dia. na outra orelha, tua frase: também guardo coisas para te contar um dia.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

a quarta casa já foi conjunção astral, revolução interplanetária, barbarella alucinada: mudança de território natural. primeiras impressões, laranjeiras à meia-noite, folhas amarelas que voavam e dançavam melodias ensolaradas. fui feliz em laranjeiras. por fim, santa teresa, onde aprendi que a menor distância entre o inferno e a terra chama-se asfalto.

agora, inglaterra. amarga inglaterra. à beira do tâmisa, nascem todos os nossos segredos, doce ana.

domingo, 5 de dezembro de 2010

da minha primeira casa, poucas lembranças: lá, do nono andar, vi a noite crescer e preencher o sono de elocubrações. da segunda, houve um pulo: já estava entre livros, tapetes e uma mata gigantesca, onde o verde virou quintal, janela, memória e, por fim, tudo. depois, a rebeldia, doce, servindo de calendário e o choro no meio da rua, escorrendo vermelho (por nada). a primeira casa, porta batida, varanda, amigos que nunca mais foram embora (graças a deus). lembro de uma foto que tirei na última noite: a visão da porta.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

de ti, carrego as melhores histórias
pena que são apenas
histórias.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

trocar a pele quando se é vírgula
alçar na
ponta do pé
pequenos
vôos
rumo
janela
dentro
esquerda e direita são meros arranhões
dentro de um poema.

armadilha

ranger os dentes à espera de um mapa.
levanto o alçapão - vôo e luvas. escondidos, seus olhos turvos e opacos. onde mora o cinza quando todos dormem? desenho mapas em madeira, lápis a lápis, pontiagudos e nocivos, que é para você não se perder. aliás, o que faço com você, misterioso você? os fios, doces fios, venenosos fios da carne se desfazem diante dos segredos erguidos à beira do alçapão: voltamos ao início? oh, no. sempre me perco em digressões.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

colibri

a tenra carne
sobrevoa concretos
túneis:
por onde nascem
mapas
de desejo

- lilases que sorriem.

domingo, 21 de novembro de 2010

eu tenho um gato chamado lou reed.

lou reed me morde; me acorda quando o dia ainda pede sono. lou reed vem me receber, todos os dias, na porta de casa. quando ele não está, o dia não faz sentido. (ele é um gato e tem seus momentos de solidão).

lou reed dorme comigo e não abre espaço para estranhos. para chegar até às encostas, é preciso passar por ele antes: pedir autorização. os olhos verdes de lou reed devoram meus receios de ontem.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

ah, a vida no campo: escrevo uma página, paro, leio um e-mail doce, a música do menino reverbera nas esquadrias (acreditem, é delicada), escrevo mais uma página, lembro de quem ficou na cidade, acendo fumaça com o vermelho e falo, ainda, sobre pássaros e anas.
zöe ontem me perguntou de você e se eu já o tinha perdoado.

- quem?

graças a deus: já tinha até enterrado seu nome.

a vida no campo

da minha mesa, avisto uma porta de madeira, tapetes felpudos, cama lisa. televisão desligada; os silêncios em seus respectivos lugares e os pensamentos, todos, externos: ocupam o quarto. poderia morar aqui. falta-me apenas uma cozinha: mas há espaço suficiente no frigobar para os rascunhos.

vim para cá dar aula (ensinar o quê, meu deus?), sim, mas antes, repôr as pedras retiradas da praia - falando de gramática perdemos horas, mas onde vai mesmo aquele acento? ele não tinha sido excluído? a separação das sílabas continua a mesma? percorremos com o lápis o mesmo desenho ou, separados, inventamos labirintos? sim, a sintaxe continua importante, mas a taça jules rimet vai para quem descobrir primeiro onde vai o acento de gatuno.

o chão traz memória de ontem. se o passado existe, ele deve ser soar como essa porta de madeira.

domingo, 14 de novembro de 2010

dúvida

aquilo ali depois do muro é outro ou uma continuação do mesmo?
ainda lembro de você a perder de vista os olhos azuis, a sobriedade e os brincos de botão. água pura, fina, que corre pelas madrugadas e arranca os traços de saudade (aqui se fala apenas em nostalgia), os trapos quaisqueres perdidos no canto.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

cacarejos, relógios, tesouras e lâmpadas: construção de raízes.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

preciso organizar o caos que se abrigou no meu braço esquerdo: trocar a passagem. resumir o artigo. assinar o contrato. refazer as contas.

todas as casas têm mofo - a minha tem homens.
saudades de quando desmanche fazia parte do dicionário de fábulas e não de consequências.
pássaro entregando folha:

desconfia-se da raiz.
acredito no ato do desmanche como o mais sincero.
o velho meter dos pés pelas mãos: a cabeça já nasce disforme, sem nome - não funciona mesmo. em dias de sol, me tranco na sala - muito amarelo para meu olho esbranquiçado.

domingo, 7 de novembro de 2010

there's a blue bird inside my heart that wants to get out - assim canta chet baker, enquanto corre o dia. há tanto a se fazer (há tanto a se dizer, melhor) que ainda me perco com os cacos escondidos na madeira. pois bem: não foi por falta de tentativa. escondo-me no preto, recomeço a contagem, quando foi que nos perdemos? onde risquei o traçado? por conseguinte, em qual viela torta se esquivaram os mapas?

ainda tenho medo.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

felicidade

paul mccartney faz show em são paulo e eu não vou - that's ok, paul, we'll meet soon in london -, a senha do cartão está bloqueada (mas o dinheiro anda sobrando, estranhamente), ontem o lucas disse que eu era uma 'grande autora' e meu sorriso engoliu todo o jardim botânico. apesar dos quilos a mais, das tragédias a menos e do caos persistente, todas as contas do mês foram pagas, lou reed continua walking on the wild side, meu disco predileto do paul é quando ele sobrevoa a inglaterra e acordar com você ainda é revoada.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

queria escrever um poema sobre tintas: o dia em que as aquarelas perderam a memória das cores que eram.

tornaram-se sons e passado.
agora que já bati os polegares nas portas e tranquei os tendões, arranhando os dentes até chorar de dor, vejo, sem porvir, que as suas desculpas serviram (apenas) de tapete para as frustrações das minhas janelas.

sábado, 30 de outubro de 2010

um dia, você vai contar a verdade a ela: quando o vento arde é tempo de mudar.

¿qué pasa?

- tentaram arrombar minha casa, nada levaram, restaram os anéis (quem me dera ter jóias em casa, respondi ao policial militar, adornado com um imenso fuzil), os joelhos e a vista cansada. continuo achando um absurdo essa coisa de não poder dormir com a porta aberta - e se jim morrison decidir me visitar no meio da noite? vai encontrar uma porta trancada? dei uma desaparecida por esses dias, sabe como é, ando ouvindo simon & garfunkel demais, colhendo umas estradas e escondendo no bolso para ninguém me roubar a semente e ainda friso: qualquer dia desses, invento o silêncio lilás. desses de veludo. meu silêncio vale um veludo. se eu pintei mais alguma coisa? não, não, só aqui dentro, pinceladas em vermelho-vivo adornam as grades da minha varanda, mas falta tempo e tesão, a tesão da corda-bamba, sabe como é? subir pelas escadas e, lá do alto, esquecer-se na corda bamba.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

claro que dá medo: ele vem inerente ao passo, com dentes que sangram palavras e engolem o silêncio. é preciso não fazer silêncio: placas de trânsito apontam para temporadas de chuva. hoje, tomei uma taça de vinho e nada senti - estaria perdendo a timidez? ou seria reflexo do meu medo? escondi a chave atrás da flor de gesso, vê se não esquece.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

riscados os traços
do corpo insalubre
restam os arpejos
das cigarras.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

as suas vírgulas não me metem medo, alexandre.

sábado, 23 de outubro de 2010

as dedicatórias

para guilherme:

que me ensinou

a fazer filmes.


para p. cezar:

um dia, nossos relógios

deixarão de ser abóboras.


para bianca:

o Alaska é aqui.

babe, me conta uma história para dormir? com dragões, resgates e labirintos perdidos em meio a ilusões que se transformam em cecílias - sonhos de menina.

babe, cansei de acordar rangendo os dentes: escalar postes para descobrir de onde vem a eletricidade gasta muito os calcanhares. dentro de mim mora um pássaro - veludíneo, pantanoso e que recebe lições de vôo. rebelde, gostaria de ser gato - para subir nas árvores arranhando troncos e derrubando os fios dos postes (afinal, de onde vem a eletricidade?)

babe, as pontas dos dedos estão todas corroídas e usurpadas; há mofo nos meus cotovelos, acredita? as mesas dos restaurantes não são mais como eram as de antigamente - andam todas duras, de marrom puído. o carteiro deixou de me entregar as cartas em mãos - agora as passa por debaixo do tapete. aliás, o preço dos selos aumentou um tanto, enviar as cartas forjadas às mãos custa muito mais caro do que se supunha há um par de anos.

me escreve? sinto falta dos teus ais e dos teus esses.

aliás, minto: sinto falta mesmo é do barulho dos teus dentes ao receber notícia boa.

um beijo.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

encontro da hora
com
a ternura mansa do
homem
amalgamado.
tenho frio e sede:
apenas soluções
(arpejos)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

placa de trânsito

cuidado: terreno pantanoso.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

hoje, acordei com vontade de te contar que ainda há delicadeza perdida nas esquinas.

sábado, 16 de outubro de 2010

nesta mão, nada trago
- direita, esquerda,
direto, estreito -
com a outra, rastros de uvas verdes,
calcanhares submersos,
espelhos d'água.

deixo todos em esquinas:
fumaça.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

vivo
sob nuvens de palavras
que esfolam
a língua

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

compro café, leite, torradas: já descobri como você gosta de uma xícara de café-com-leite quando acorda, bem doce, para espantar o bruxismo e o medo de dar tudo errado; conto, em meio aos cheiros finos e ao vinho português, infâncias inventadas, descobertas e assumidas, você me responde, cheio das ironias ensolaradas, sorrateiro e amarelo, dos calcanhares que ainda te pegam, vindos lá do norte. passo a passo, abro uma, duas, três, fechaduras: o corredor é extenso, vem uma luz azulada da janela circular e não temos pressa: ainda não amanheceu por aqui. pé-ante-pé, conto as rachaduras do teu teto e, veja lá, não ganham de uma mão das minhas: estamos quites e portugueses. decidi, agora, mudar de identidade: rasguei a cédula antiga, enterrei no quintal e virei adélia, loira e emancipada, à procura do melhor leite no mercado. me interessam agora apenas as letras amarelas, nascidas de anteontem. manchete no jornal diário: viram, assustados, gerânios em santa teresa. as palavras todas inventadas sufocaram em vilarejos perdidos à beira da estrada. tempo de inventar novos fonemas, novas sílabas: enchuvaradas, aluar-se, passaroso.
sorrateira
esqueço o calcanhar
(passo errante)
nos teus verdes.

domingo, 10 de outubro de 2010

teço em
águas claras
palavras que sequer
têm nomes:
chamam-se umas às outras
por sussurros
e lembranças.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

gonçalves dias

escrevi essa canção do exílio para lembrar que nunca estive lá.

da diferença entre inundar e atropelar

é preciso ser mais organizada, contar o tempo nas horas certas e não como calendário indiposto. o rio de janeiro chuvoso subitamente se traveste: esquinas de melancolia assustada subindo pelos postes. (gosto da idéia do rio de janeiro ter um pau escondido sob os parangolés). cinza é o vento dessa quinta-feira sórdida. 'aviso que sou um canalha', ele disse. bem, eu sequer carrego moedas nos bolsos (e pior: ainda falo por metáforas, desculpe).

a chuva não se decide: se inunda ou se atropela a cidade. (ainda que um venha, necessariamente, seguido do outro, os modi operandi divergem). inundar é construir morada, demolir sigilos, navios de caos e sutilezas. atropelar é arrancar as chaves, trocar as fechaduras e desaparecer rumo à berlim.

da minha parte, sou feita de chuva e cinzas, meu bem. você, até agora, pareceu matéria-prima de inundações. (da janela, avisto: a chuva decidiu, por fim, inundar a cidade).

ei, você, com o candelabro, na cozinha: quem vai atropelar agora?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

- para você ver como se publica qualquer coisa: querem lançar meu livro de poemas.

- seria a deixa de dizer "eu gosto do teu livro, L." - se eu tivesse lido. ou entendesse alguma coisa de poesia. resigno-me ao parabéns descerebrado, pois.

- poesia não se entende: se esconde junto com a camisa do ramones no fundo do armário.

- lasquei-me. nunca tive camisa dos ramones. isso dobra a quantidade de poesia que posso guardar ou me torna um energúmeno?

- parabéns. você ganhou um vale-bônus da poesia com direito até a poema-construtivista-processo.

- dá pra abrir latas com isso?

- dizem que desentope pias.

- já é útil. tem delivery?

- ih, poema-processo é cheio de marra e não vai a lugar algum. metido a estrela.

- agora com primeiro livro no prelo, então...

- o primeiro livro se livrou dessa maldição. preferiu fazer umas rimas bobinhas.

- nem tento o tento. minhas estrofes são uma catástrofe.

- todas as minhas tentativas de rima são pobres e imorais. o jeito é aceitar. (aliás, o nome do livro é 'pessoas de quem roubei frases')

- gostei do título. até compraria, se visse por aí.

- eu te dou um e você já pode desentupir pias.

- faço questão de pagar. se der defeito, quero poder reclamar com a fabricante.

- a fabricante não se responsabiliza pelos danos ao contribuinte.

- no risco, sem rede. agora tá começando a ficar divertido.

- a casa só trabalha com apostas sem devolução. sentar na mesa tem que ser sem rede.

caixa postal

- óbvio que tem mais para falar: tem o meu mais novo caso de amor, esse que estou indo com as mãos amarradas atrás das costas e as pernas rijas, que é para não repetir a sinopse do nosso filme: eu, escabrunhada no meio fio de botafogo, chorando. O amor que nunca aconteceu. muita calma, muita técnica, muito lou reed na vitrola para lembrar das wild streets de nova york - vira-se uma esquina na voluntários e se cai em uma delas -, muita coleira que é para não adiantar o passo. tem também aquele filhinho, meu orgulho ressabiado, recebendo elogio de paris e eu querendo contar, mas na minha que é para não entornar o caldo. ando ressabiada em falar demais - porcas borboletas, lembra? - e escondendo minhas sílabas nos canos (até escondi uma palavra nova no buraco da telha da cozinha, uma delícia de palavra, depois te conto), e tem os convites, as rotas de fuga - sabia que foram os mesopotâmios os inventores do conceito de culpa? e eu achando que tinha sido o saudoso frei didi dos maristas, com o candelabro, na cozinha -, as vontades, os quereres. há todos os poemas que eu escrevi para você e que agora vão sair, impressos, numa folha azul, que é pra me lembrar que existe vida after you. tudo isso é para me lembrar que existe vida after you. me liga? me escreve? você nunca mais me ligou. não tá podendo, é isso?

terça-feira, 5 de outubro de 2010

quando ele encostou a ponta da caneta no papel amassado, puxado às pressas da bolsa de ana, e rabiscou um verso qualquer (não era um verso qualquer, todos sabemos disso; era chet baker escorrendo pela tinta barata), teve vontade de dizer:

- medo de você segurar essas mãos esfoladas e desaparecer com medo do sangue que brota. raiz de planta morta que ainda assim insiste em escorrer pelo ralo, inutilizando todos os escoamentos da casa.

mas manteve-se quieta.

domingo, 3 de outubro de 2010

god bless you, lou reed

oh, please, saint germaine
i have come this way
do you remember the shape i was in
i had horns that bent
i'm so free
i'm so free.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

padaria

existe uma padaria aqui na glória, apelidada carinhosamente por moi de "a melhor padaria do rio de janeiro". obviamente, não é. mas é a única que abre religiosamente às quatro da manhã (sempre disponível nas noites de perdição & luxúria) e encerra às onze da noite (sempre atenta aos desejos & às carências). há um biscoito de farinha de trigo & manteiga & ovos, em particular, idêntico aos que a minha avó fazia. desses que metade do saco está queimada e a outra, crua. desses que se come assistindo à reprise de roque santeiro durante a aula de matemática. dona carmelita tentou me ensinar diversas coisas acerca da vida, dos homens, das frustrações e de tudo o mais que corre por debaixo do tapete, mas eu, rebelde, sequer dei ouvidos. não aprendi a rezar para encontrar amores perdidos, perdi a receita da suposta torta de bacalhau para dobrar chefes & sogras e jamais consegui enfiar a linha na agulha de costura.

dela, guardei todos os discos de caetano, de cely campelo e dos beatles. aprendi a andar no ônibus de graça (só praticável até certa idade, crianças), a fingir sapiência no francês e a pentear o cabelo para o lado esquerdo todas as vezes que a vida andasse errada (que é para o vento soprar do lado certo). vejam vocês, apenas as coisas erradas.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

imagino um lençol branco caindo sobre o leblon. homens, mecânicos, babás e estudantes reconfortados pela cegueira momentânea. não uma cegueira louca, cegueira saramago, mas a passividade e de quem, mesmo ainda vendo o sol refletido nas teias de linho branco, escolhe por continuar tapando os olhos.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

fim de festa

por aqui, todos já foram embora: largaram os vestidos, os copos, os relógios e apesar das promessas de volta na segunda-feira, a ressaca das janelas já continha o murmuro dos próximos dias. alice levantou-se, lavou as mãos, as colocou de volta nos bolsos, contou quantos vermelhos foram despedaçados entre os tapetes e sentou para escrever uma carta.

começava assim:

setembro de 2010,

daqui a quinze anos, talvez você se lembre dessa noite como aquela em que perdera as chaves em uma estranha festa de despedida, na qual nenhum dos convidados sabia para onde - e nem quando - a dona da casa iria viajar. sabiam apenas que ela iria; o que frisava a todo instante.
vejo da minha cozinha o desespero do marinheiro perdido, arremessado sem os botes salva-vidas. talvez você ligue para um amigo, e pergunte se ele viu. talvez você até tenha deixado a cópia com alguém (o que eu não acredito). pessoas prevenidas não arriscam nuvens em festas de despedidas.
levarei o molho de metal comigo: há uma verde brilhante, bregamente brilhante, talvez seja a da garagem. um dia, estivemos perto o suficiente para eu lhe roubar as chaves.
daqui a quinze anos.

domingo, 26 de setembro de 2010

houve uma época em que eu sentia tanto, mas tanto amor por você
(e um tal de um amor louco e rebelde, um adolescente inglês dos anos setenta)
que essa ausência de horizontes me comia as palavras.
hoje, fim de setembro, esse mês infeliz que me fodeu os cotovelos,
consigo olhar e pensar: sobrevivi e passou.
é engraçado.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

a atiradora de facas saiu para caçar. animal preso que estava, nada mais justo que escolhesse outro: mas chovia na cidade. a atiradora de facas tinha o orgulho ferido - após seis meses com uma dor no ombro, fora diagnosticada com a síndrome das gavetas. não era câncer, não era tendinite, não era l.e.r.: por ter armazenado demasiados artigos - alguns valoráveis e outros descartáveis - , a atiradora de facas carregou passados demais sobre os ombros. é uma explicação patética, ela pensou, quando ouviu pela primeira vez, no consultório do décimo-sétimo médico, na sala 201, do largo do machado. mas por justamente estar no 17o doutor, acabou por considerar a teoria plausível. a solução?, perguntou. você pode jogar os ombros na fogueira, respondeu, mas essas são medidas drásticas. em caso de dores amenas (ainda que estejam aí por seis meses), uma solução seria a transferência de gavetas. (ou de ombros, como preferir colocar). a atiradora de facas não pensou duas vezes. rumou a encontrar ombros livres para descarregar suas gavetas.

o problema todo se configurou, veja só, quando a atiradora de facas, nossa velha conhecida, percebeu que não gostaria de entregar, assim tão facilmente, como um mero menino de jornais o globo, a qualquer um da rua, seus papéis amassados. existia um, em especial, que ela pretendia guardar: toda uma coleção, aliás. por mais que lhe doessem os ombros, aqueles cadernos (já não eram mais blocos de rascunho; assumiram uma conotação importantíssima, de cadernos) continham algo de si, imutável e perene: algo que se entrasse em contato com a atmosfera poderia explodir.


e como o velho dylan em meet me in the morning, a atiradora de facas esvaiu-se correndo daquela calçada suja, levando consigo cadernos, rascunhos, cânceres e sábados, enfiou-se no primeiro táxi que viu e partiu para são paulo. carregava consigo receitas para uma vida plena, poemas de jorge de lima e declarações de amor.

biografia

nome: manuela ferreira.

profissão: atiradora de facas.

filiação: filha de um dançarino sem origem identificável com uma economista brasileira.

descrição: manuela ferreira escreve, filma, fotografa, desenha, pinta; estuda história, estuda arte, estuda línguas, estuda filosofia; pinta-se de roxo às quartas, azul às quintas e cinza às sextas-feiras; tomou café com os principais escritores norte-americanos do início do século XX e dizem até que engatou um romance com faulkner, mas o trocou por hemingway.

mas na hora de se matar, manuela ferreira, que esqueceu onde colocou as chaves e perdeu os fios da meada, tem tanto medo de se atrapalhar e parar em uma cadeira de rodas - ao invés do cemitério -, que sobrevive há vinte e cinco anos.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

tenho medo de desabar ao ouvir sua voz.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

gostaria de ter algo a mais para dizer além do já esperado.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

dança: balé desencontrado.

música: uma canção qualquer do the doors.

diálogo: estão os dois em silêncio.

cenário: não ocupam o mesmo espaço.

ação: caminham, solitários, em direções opostas.

luz: azulada, como tristeza que salta.

domingo, 19 de setembro de 2010

it's ours

there is always that space there
just before they get to us
that space
that fine relaxer
the breather
while say
flopping on a bed
thinking of nothing
or say
pouring a glass of water from the
spigot
while entranced by
nothing

that
gentle pure
space

it's worth

centuries of
existence

say

just to scratch your neck
while looking out the window at
a bare branch

that space
there
before they get to us
ensures
that
when they do
they won't
get it all

ever.



(c. bukowski)
lilás é dessas palavras às quais se presta reverência.
enquanto espero a hora que nunca chega, bebo um café e prefacio o seu livro: o escritor tem garras para arrancar-me a alma e chora quando, contrariado, barram suas represas. o escritor nunca sofre: a VERDADE é seu único delírio revolucionário. o resto, são contas a pagar. mal sabe o escritor: da verdade, tratam apenas as tartarugas.

sábado, 18 de setembro de 2010

almoçamos vagarosamente, quase em silêncio, como dois velhos cansados de guerra. te conto alguns problemas daqui, você me rebate com suas questões de fios & feiras & folhas engalfinhadas nas persianas. daqui a alguns minutos, a campainha vai tocar, a hora do recreio terá terminado e, já sem o salto alto, eu seguirei a rota de casa, atravessando os bueiros e os labirintos desenhados por ti em meu caderno.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

dúvida

meu amor,

quando disse que não sabia o que fazer, não esperava uma resposta definitiva. versar sobre nuvens é fácil; o sangue começa a escorrer quando se fala em grades. confesso aqui que minha ansiedade enclausurou os pensamentos e transformou água em redemoinho, tempestade de granito, quebra-cabeças revirado e todas essas metáforas baratas típicas da baixa literatura. no entanto, uma pergunta aqui cabe: há amanhã nesse calendário de cores turvas?

porque você sabe: a insistência vã, dos sete pecados capitais, é aquele que te leva direto ao inferno.

lista de obsessões clandestinas

lou reed, dias nublados na gávea, cores em acrílico, nelo johann, literatura americana do início do século XX, relógios que rodam de trás para frente, enganar a realidade, descer ao caos e retornar caminhando, pássaros, as infinitas possibilidades do erro, a história do mundo, fugas, escapes e outras distrações, abandonar, levemente, as dores.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

lições

na faculdade de história, explica o professor:

crise normal
desvio de rota com o passado
a saída é olhar para trás e entender onde
a pedra balançou.

crise crítica
rompimento completo com o passado
a única solução é criar
um novo horizonte

crise catastrófica
impossibilidade de qualquer relação com o passado
não há escape.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

a mulher deveria estar grávida. nesta hora, se lembra de hemingway: "vende-se um par de sapatos de bebê nunca usados". o menor conto do mundo. a vida da mulher. a vida em seis palavras. se hemingway tivesse escrito "vende-se uma vida" não seria tão genial: porque não tem fim. um conto necessita de um fim. levanta os olhos: foucault discorre sobre morfologia social, organização de nações, territórios. a mulher não-grávida não tem território. a mulher não grávida perdeu o território - perdeu ou entregou? entregou, escrevamos. a mulher entregou a nação, primeiro à enfermeira que lhe segurou a mão e disse que tudo ficaria bem - não era para ser, minha filha -, depois, ao homem de touca branca que lhe tirou o vestido preto, as sandálias, o sutiã preto e desfiapado e lhe arrancou - aspirou, aspirou é o termo técnico - o filho de dois meses. O céu laranja, enquanto estava anestesiada. O céu laranja de 2003.

voltemos a hemingway. ou melhor, às chaves. a mulher não-mais-grávida perdeu as chaves. elas podem estar: a) na própria casa, b) no trabalho, c) numa boca de lixo qualquer (o que significa que a mulher não-mais-grávida terá que pular o portão, já que sempre deixa as portas destrancadas).

vamos falar a verdade: a mulher está cansada de morrer. morreu lá, em 2003, debaixo do céu laranja. morreu agora, na sala de espera.

a mulher se banha: ficam nos azulejos fios de cabelo, pernas, pudores. ela bate a testa no azulejo: uma, duas, três, quatro vezes: começa a sangrar. disseram-lhe na clínica que sangraria, todos os dias, por 45 dias - o tempo médio para o corpo se recuperar do algo que perdeu. [ uma hora estava aqui, outra, não mais ]. a mulher não tem território: seria ainda mulher? arrancaram-lhe as asas, negras.

(volver, volver, hasta el punto dónde no más había dolor.)

ontem, havia sonhado com torneiras pingando; hoje, acordou com os tiros do batalhão da urca. eles não falaram, mas a mulher-não-mais-grávida-e-já-sem-território pôs um band-aid do mickey na testa e trancou as fechaduras.
outro dia, juliana ligou para saber como a outra estava. respondeu que todos passavam bem, a filha havia nascido e os azulejos da cozinha, trocados. havia conseguido um desconto no imposto de renda com o curso da avó do marido e, ainda mais, finalmente quitado as dívidas do passado. juliana ouviu calada e desligou. derramou uma lágrima por ela. mas somente uma, que a noite se encarregava das outras.

domingo, 12 de setembro de 2010

domingo

t. b.,

entre antibióticos, antiinflamatórios, nelo johanns e ana cristinas um poema me veio à cabeça. fala sobre pássaros perdidos. sobre não percebermos os pássaros perdidos.

o rascunho é mais ou menos assim:

paralelamente percebi pássaros perdidos pousando
[ insensíveis indiscretos insalubres insistentes
pássaros. porém perdidos.
paciência, pedro, pedem.
paciência, pedro, provocam.


mas ainda não sei para onde ir. vou pensar durante à noite.


aliás, quando eu voltava para casa hoje de manhã, o céu estava com um azul, meu amigo, que nem se eu engolisse todo o livro de história de arte do tate modern eu seria capaz de definir. era um tom lisérgico, com amplas possibilidades e todas elas povoadas de pássaros e criaturas mágicas & livres. como seria ter asas, hein?

[ mundo, acorda!

[depois de muito pensar, decidi a próxima tatuagem (acho que farei em londres): ombro direito, balões que sobem ao céu. e embaixo, we're just balloons faking reality.]

será que existe uma profissão em que se passe o dia escrevendo cartas? não as cartas da montenegro naquele filme ruim do walter, mas CARTAS de verdade, com vidas inventadas; e se eu inventasse um projeto em que todo dia eu escrevesse uma carta, baseada na vida de uma pessoa, toda arrumadinha e montadinha e mandasse para um endereço qualquer da lista telefônica? isso mudaria a vida de alguém? mudaria a sua vida receber uma carta vinda-de-qualquer-lugar de uma pessoa que abre o seu coração e seus pensamentos, mesmo que não seja verdade? SERÁ QUE PAGARIAM POR ISSO? rá rá rá. preciso acertar a mega-sena. e logo. preu poder comprar meus amigos e descontar minhas idéias do imposto de renda.

promete que você não deixa de me amar porque eu tenho pensamentos malucos? porque você é lindo e eu te amo, mesmo eu sendo um caos. aliás, eu te amo pra caralho. aliás, é tanto amor que acho que até curaria a fome na áfrica.


luv always,

m.
todos os problemas de alice se resumiam a ela não saber, até hoje, onde enfiar as mãos quando não estava frio.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

escrever longas cartas de amor

ligar todos os rádios da casa em estações diferentes

sobreviver em meio aos buracos

resistir às palavras que escaparam

lembrar: o vazio é bastante adaptável e encaixa-se nos ossos

resistência à sintaxe

o que resta? escovar os dentes com cuidado.
a mulher que sobrevive a setembro sobrevive a qualquer coisa.
o sol descendo sobre o guaíba não existe no dicionário.

minha mais nova cor favorita: céu-de-guaíba.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

i know where the evil lies
inside of your heart
[ well get out of here ]
if you're gonna try to make it right
you're surely gonna end up wrong
[ wrong wrong wrong wrong ]

terça-feira, 7 de setembro de 2010

ulisses,

também disseram a você que seria fácil? fácil e simples? dúvida: por mais quanto tempo é preciso aguentar? quando se torna minimamente aceitável escapar pela porta dos fundos? me pergunto se todas as salas são sempre brancas, se todos os livros são sempre mais pesados que os pensamentos, se as lágrimas sempre ocupam mais espaço que o ar. difícil respirar neste quarto escuro, na ponte - vazia - que divide o silêncio do estado onde as palavras já não fazem mais sentido. levaram minhas chaves, a identidade e minhas canetas, mas já não fazem falta: tenho a noite inteira para preencher.
meu poema carrega suas nuvens amarelas
por entre palavras cruzadas
e através das madrugadas.
por fim, a queda não pareceu tão ruim, afinal: existia um túnel encoberto.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

sonhou que estava no mesmo lugar, mas em um outro tempo, e particularmente, em outra alma. a pessoa que fora durante as férias da passagem do século, quando não havia medo.

a chuva hoje é insistente e incompleta, reverberam as lacunas da casa abandonada. as vidraças ainda estão lá, assim como as grades das janelas, mas de certa forma, o quebra-cabeça não está completo. ele já esteve, uma vez. naquelas férias. onde tudo era possível: e foi. a mulher sente-se inútil (um pouco como a chuva de agora) e procura os isqueiros: nos bolsos, nos paletós, nos baús, nos lençóis, nos buracos do taco.

a obsessão clandestina da mulher já sem a esperança dos isqueiros é retornar ao mesmo ponto onde está agora mas há nove anos passados. como (ainda) não consegue, morde o dedo com força e espera a tarde escorregar.

domingo, 5 de setembro de 2010

eu sou uma mulher que quase sempre tem cigarros mas nunca tem isqueiros.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

eu queria te mostrar que existem outras saídas na vida, que ainda é possível esconder um segredo na nuvem que ele vai estar lá quando você voltar, que não há divisões no nosso amor; queria te dizer que nossos trilhos andam em passos além dos 0.5mm habituais e que na nossa casa não existirão paredes para dividir nossos sonhos manuscritos em caneta bic azul, queria te contar que meu chão ri quando você passa por ele, que mesmo emoldurado pelo tempo e pela insônia, a madeira ainda resiste.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

eu gostaria muito de chorar porque penso em tudo que fiz de errado todos esses anos e nada me vem à memória; óbvio que dezenas de escolhas erradas acendem seus faróis às quintas-feiras, mas nada exatamente trágico, que eu pense e aponte: foi AQUI. foi aqui onde tudo começou a dar errado. e a bem da verdade, as coisas não andam exatamente a passos erráticos, eu apenas não tenho alcançado grande sono esses dias; rolo na cama como um homem de sessenta anos, mal contente com o corpo e mal acostumado com o passar dos anos; mal acostumado com a passagem (rápida) da adolescência para a morte. estou com muito cansaço das pessoas. não escovo os dentes há quatro dias - preguiça de levantar os joelhos tortos e estourados, andar até à pia e... esforço. creio que a falta de sono irrompe meus vasos sanguíneos - será? outro dia sonhei com você, deitada ao meu lado, sob um lençol branco, de linho, pura e delicada, como fora aquela terça-feira.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

meu silêncio arde.
acordei com uma inutilidade rangendo entre os dentes.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

meu amor,

sinto muito por não confiar em você. etc, etc, etc: soa meu lado professoral, a campainha do recreio. a noite de botafogo se mostra repleta de assertivas; de onde nasce um homem, crescem palavras mal formadas. já reparou como o incêndio sempre começa pelas cortinas? aqui, a literatura é baixa, amor. o homem me liga. convida-me para sair. conversamos, disfarçamos, desarmamos, reinventamos biografias. volto discursiva para casa: essa história não tem narrador, essa história se conta em mapas e fuzis, metralhando realidade a vinte por hora. é possível parir delicadeza? você me fala em ética, eu ouço covardia. covardia em puxar os fios. no flamengo, já é natal - você não acha mais ridículo equilibrar uma situação já devassada? a ética das cortinas? no catete, me falta o ar - manchas, sutilezas. em uma folha branca, desenhei nosso planos: manteve-se a folha branca. estou nua nessa folha branca e me escondo sob as lâmpadas - tenho vergonha e medo. na glória, tudo é vermelho, da padaria aos motéis. vermelha sou eu, esvoaçando pelo recinto.

sábado, 28 de agosto de 2010

pedro, vamos combinar: não escrevemos mais músicas de amor. nessa casa, não se fala mais em encontros nem em desencontros.

trabalhamos com farsa comprimida. quando eu estiver em londres, a gente brinca de sofrer.
i dreamed i was a bird.

and as a bird i could fly anywhere,
any other sky, even yours.

and as a bird, a white bird that i was,
i would disappear into sun mazes
heat waves that hold me
now that i woke up.

sábado

provocar a realidade: me escondo atrás da porta quando ela chega e antes de deixar a casa, já fugi pela janela.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

dicionário

letícia

nascida no lado avesso da vida.

poema para você

me desfaço liquidamente em
folhas e nuvens
lembranças e palavras
gotas que
- vermelho a vermelho
escorrem sobre os labirintos do meu silêncio:
vestígios do seu corpo.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

daí, você me pergunta 'o que foi que eu fiz, o que foi que eu fiz para receber essas palavras secas?" e eu te digo, amigo, que teu erro foi o mesmo das outras vezes: ter falado demais.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Nelson:

ei...conta pra mim essa história dos elefantes brancos...


Me:

ah!

chegaram aqui...

uns elefantes brancos!

disseram que era presente.

não se recusa presente, não é?

aí eu botei todos eles na sala.

e estão, quietos. hoje brinquei de dar nomes a eles.

um se chama pedro, outro se chama realidade, outro se chama panela. panela furada.

vou iniciar uma revolução: calmamente, tranquilamente, sem alarde nem manchetes nas colunas sociais. vamos promover, eu e minha trupe militar, uma revolução na cidade. não terá um único objetivo (não somos fazedores de história, sinto muito) e como regra maior, fica livre o acesso ao àlcool, ao cigarro, aos pensamentos e ao vermelho-rubi. enviaremos elefantes brancos para a alfândega e traremos de volta gaivotas embebidas em nuvens. a eletricidade não nos interessa - o importante, mesmo, é a região abissal da praça paris, onde deitaremos no céu e pintaremos todas as cores das trivialidades.

domingo, 22 de agosto de 2010

foi me entregue hoje uma remessa de elefantes. todos brancos. como não sabia o que fazer com o pacote, coloquei-os na sala. ficou um bonito objeto de decoração: uma manada de elefantes brancos, uns com a tromba para cima, outros com as orelhas largas e um ou outro com o olhar cabisbaixo. mas na maior parte do dia, comportaram-se bem: mantiveram-se na sala, não fizeram barulho, sequer tomaram banho.

eu tenho um grupo de elefantes brancos na sala e até decidir o que farei com eles estão todos parados, olhando para mim.
uma das minhas habilidades de sobrevivência é a amnésia alcóolica.

sou absolutamente grata por não lembrar dos atos que eu teria me arrependido em minutos.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

[ susan miller previu um dia full of love, e eu ali, tentando de todas as formas evitar a sua presença no meu mundo cercado - ainda assim, não consegui, parei na maçaneta que você logo arrombou com gestos gentis e fala suave. dezesseis anos, à espera de mudança qualquer, de revolução que germine essa apatia e faça surgir qualquer supernova.

quase não me recordo da vida anterior - são anos e anos e anos de abuso de insônia, vinho barato e cigarros, além das leituras exageradas -, o antigo quarto parece tão distante, delírio de um mundo qualquer que veio parar aqui: eu sempre fui assim? ou foi apenas a sua influência? não consigo ser otimista, sinto muito; sapatear em cima de cadáveres nunca foi meu forte, exatamente. ]

as coisas que doem são minhas e tão somente minhas; não são devaneios nem castigos divinos, são dessas dores que carrego por me perder em sentimentos, sentimentos finos como a linha que traço no papel e que o professor de desenho reclama por não ter firmeza, a tal da firmeza dos experientes, dos praticantes. nesses dias não carrego nenhuma prática, apenas tentativas, marteladas, aliás, de ser qualquer coisa além; antes de ser mulher, qualquer matéria humana, qualquer ponto acima dos círculos de gravidade onde insisto em cair. o professor de desenho fala-me sobre texturas, grãos, matizes e tonalidades; cerdas de pincéis. pois no momento resido em tela preenchida, borrão sem criatividade. meu gato azul espreita, calado, à espera do momento exato para deitar-se cansado no colo; mas meu colo, também cansado, já fugiu para outro lugar.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

existiu um tempo onde, ao primeiro chamado, se corria mais que ventania arrancando os lençóis do varal; onde qualquer batalha merecia o esforço, onde atrás de qualquer árvore morava um segredo.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

do what you want, do what you need, i'm on the island of me.


nelo johann me ensina muitas coisas.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

ando sem paciência para elucubrações infantis: só quero saber dos círculos. os círculos da gravidade - onde eu caio e onde deixo de cair.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

mala

existe uma mala perdida em são paulo. perdida, não: esquecida, já que eu sei onde ela está - no canto da sala, encostada ao sofá -, com quem está - lucas, um dos poucos remanescentes elos com salvador - e onde - na consolação. o que mais incomoda não é a falta da mala (realmente, minhas melhores roupas estavam ali, assim como aquela sapatilha que tanto bem fazia aos pés), mas a presente inexistência da circunstância que levou ao esquecimento da mala.

depois que todos foram embora, restamos nus em são paulo. nus nos nomes, nas contas, nos calendários, nas canetas. não havia necessidade sequer de falar: as palavras já moravam em nossas mãos e com elas construímos estradas para lugar algum. não havia necessidade de promessas, porque saberíamos serem todas falsas - o signo da mentira deslavada não cabia debaixo daquela noite tão grande.

portanto, os relógios foram atrasados para a hora de partir; restou um choro seco. dentro, uma recaída infantil: o início de uma promessa - não fala, eu não quero saber. eu não estou aqui, eu não estou lá. o silêncio ainda é a minha melhor visão. a minha lágrima ainda é propriedade particular e será guardada no baú das trivialidades - aquele onde, por ora, guardei você também.

domingo, 15 de agosto de 2010

o problema do vinho barato é que a sensação provocada nunca vale mais de dez palavras.
são vinte para as seis e as árvores se revoltam contra o frio; apago as luzes - i was feeling down when you said hey, hello -; quando só há a fumaça do parliament (voltar a fumar é das melhores sensações da história) tudo volta a fazer sentido: o vinho barato, o chão largado, o tapete vermelho, o sussurro daquele som ligado sem parar e o teto que cresce até desaparecer dos olhos.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

num dia qualquer desses, você há de bater à minha porta e todas as minhas palavras - antes recobertas em lágrimas, escondendo-se sorrateiramente pelas esquinas dos meus cabelos - vão sair às ruas, alegres de serem palavra novamente, alegres de não mais viverem escondidas, e o verde dos seus olhos vai virar folha e cair, suavemente, sobre a rua, como um tapete no outono, lembrando que a primavera ainda está por vir.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

yoga

uma lágrima correu e fernanda a ignorou: pensou ser suor. juntou as palmas das mãos e recomeçou o mantra da paz: paz universal, paz para todos. a lágrima caiu mais forte. seguiu-se a outra e a outra e a outra: fernanda irrompeu em um desespero profundo, gritante. o professor veio em socorro e fernanda não teve coragem de dizer: não sinto paz; não posso desejar paz a ninguém. (arrancaram meu braço, meu útero, minha perna). saiu da sala alegando apendicite (doença de família).

debaixo de água fernanda tem ódio, dele que me entregou destroços, que agora mente e inventa um luto qualquer de quarta-feira ao meio-dia: não foi você quem tornou-se vazio. a dor que acelera as minhas paredes na madrugada não corre nas suas veias brutas, correm sobre meu sono, que tornou-se incômodo. que tornou-se choro de um nada. vela de sete dias de um nada. arranco de segunda o carro já quebrado - para um destino nada.

fernanda, que ainda preservava escondida na primeira gaveta da cômoda do quarto uma vermelha inocência, chegou em casa e deitou sobre as roupas desencontradas pelo chão.

o teu nome é veneno, veneno covarde em pedra-bruta. fernanda chorou.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

vem,
vou te contar a melhor história do mundo:
aquela escrita em
ramagens.
dizem por aí
que foi
minha lua em virgem
quem me deixou assim.

prefiro acreditar
que foram
os muros
as poças
as facas

e os malditos isqueiros
sempre escorrendo
pelos cantos sujos
da minha boca.
deito no sofá
e sonho com barafundas mudanças
pontos de cruz nas paredes da sala
um quadro enorme de rimbaud na cozinha
que diga:
o mar hoje criou onda no meu quintal
e mapas debaixo das cadeiras,
escritos em azul:
venha, já não há nada que possa
nos impedir.
desligo as luzes
uma por uma, os dedos brincam
de solitude à meia-luz
e nos deslizamos
e nos carregamos
e nos esquecemos
das contas de amanhã.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

assim mesmo, como dia seguindo dia, como talheres que reaparecem nas gavetas e tal qual janela da sala que fecha quando sente cheiro da chuva, essas páginas vão passar adiante. o vento vai deixar de carregar teu nome por aí, minhas trivialidades vão procurar outra cadeira para sentar-se e no café victoria, em bruxelas, haverá risadas, fumaças com gosto de blues, alguns chutes na cadeira e uma manhã que nascerá sem relógios.
esse poema
escondi debaixo da cama para que você nunca visse.

domingo, 8 de agosto de 2010

tempestade varre o que a ressaca não curou.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

cansei do caos e
seus verbos mal resolvidos:
uma passagem só de ida, senhor.

meu saxofone e eu iremos passear pelas velhas calçadas de parati.

waiting for the sun

a primeira vez que ouvi falar em the doors foi pelos ouvidos de um irmão mais velho: toma, você gosta de nirvana, escuta isso para entender o que é rock n' roll. era o clássico show em L.A. (disco duplo, capa preta, encarte magnífico).

eu, uma menina batizada em beatles e tom jobim, recém-sugada para o universo das camisas de flanela e da rebeldia maior que a barriga, fiquei extasiada. trocava o primeiro pelo segundo o primeiro pelo segundo o primeiro - até dormir, ao lado de jim morrison, ray manzarek, robby krieger e john densmore. o que eram aqueles teclados? por quê não conseguia parar de mexer os dedos, as pernas? não havia mais paredes nem janelas nem boundries only abyss and canyons.

ouvir roadhouse blues pela primeira vez é segurar, com ambas as mãos, dedos fechados, o êxtase. o bliss. o máximo aonde o ser humano pode chegar com sua criatividade limitada - é o doors.

ano passado, no festival do rio, consegui, na surdina, adentrar a sessão lotada de 'when you're a strange - a film about the doors'. pela violenta trajetória e o absurdo som - que banda alguma conseguiu reproduzir ou dar seqüência depois -, os doors já renderam um emaranhado de livros & filmes & artigos. sempre envoltos no fog misterioso de 'jim morrison, o santo-poeta-cineasta-beat'.

mas esse documentário não se apóia no insuportável culto ao lizzard king - o filme percorre a trajetória da banda e ponto. resgata as imagens dos dois documentários produzidos por morrison durante 65-72 e fotos incríveis dos acervos da família doors.

um ano depois, vim a descobrir que o filme foi baseado em um livro que somente ontem chegou ao brasil - the doors por the doors. custa sessenta reais, é um calhamaço de quinhentas páginas e mais de duzentas imagens pessoais. mas qual a diferença dele para os outros, você me pergunta. o narrador. os narradores, aliás.

the doors por the doors é todo baseado em entrevistas realizadas por um jornalista da rolling stone ao longo de quarenta anos. estão lá jim, ray, robby e john SPEAKING FOR THEMSELVES. a banda sempre prezou a idéia de comunidade - as letras eram assinadas pelos doors, e não por lennon/mccartney, digamos assim. os royalties eram divididos igualmente. e ninguém exigia nada do companheiro ao lado - um terrível gerador de culpa nos anos pós-1960, let's put it that way.

enfim. tudo isso é para dizer que the doors sobrevive. aqui e sempre.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

matéria:

fábula bruta
na manhã de quarta-feira
despertando vicissitudes
pelos corredores.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

não adianta você vir com flores brancas, em falsas promessas de paz silenciosa
- o meu caos vem com a rebentação
e com aquela lembrança tua de ser esquecido
na fechadura do quarto
enquanto teus pais dançavam e riam na sala
(você era uma criança,
e a crianças não é dado o privilégio
de desamarrar-se)
as águas que por aqui passaram
lavaram as memórias
arranhadas e rasgadas
de um encontro almost wide
and almost open

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

preciso cegar para não assistir
ao doce resvalar da madrugada
sobre meus pés.

também preciso ensurdecer durante o sono
para não ouvir o veneno de seus dedos escorrendo
sobre as minhas
lembranças.

enfim.
enquanto o céu desaba minha voz
verdes cortinas de linho
- minha infância em cores -
trafegam pelas ruas de laranjeiras
contando histórias de dormir.

my dear cecília

ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

é uma grande pena que não se possa estar
ao mesmo tempo nos dois lugares!

ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

ou isto ou aquilo, ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

domingo, 1 de agosto de 2010

meu querido tom

meu preto velho adorado prefere o vinicius, o poetinha. minha mãe se derrete à voz fanha de joão gilberto. tem quem se esmoreça aos primeiros acordes de chico buarque - mas aqui, nessa fortaleza de santa teresa, o rei se chama antonio carlos jobim.

no jornaleco da manhã, uma reportagem sobre a eterna influência do maestro no cinema internacional pôs o volume para o máximo em tom & miúcha, edu lobo & tom jobim, tom & elis. o piano e as vozes (inclusive a deliciosa voz bêbada e torta de tom). os arranjos delicados, sofisticados, espirando thelonious monk, art pepper, chet baker mas também gershwin, cole porter e villa-lobos.

meu amor, juro por deus, me sinto incendiar.
a história reclama de seus detratores e nunca está completa;
falta sempre uma certidão, uma palavra desdita ou ainda mais: inconsequente.
pois palavra inconsequente é refúgio de personagem barroco
(cego de realidade)
pago à vista minhas apostas com o destino, o menino me contou
em um vendaval de sábado
e eu que pensei exageros embalados à vácuo, respondi.

sábado, 31 de julho de 2010

dalila está na dúvida se seu namorado é gay. maria luiza está grávida. lígia está desempregada. adriana pôs na mesa a garrafa de black lebel furtada do novo emprego em ipanema. o namorado de dalila se chama nero, irmão de cleópatra. - um brinde à vida enrodilhada. - você não pode beber. - ah, ela pode, sim. gabriel foi envelhecido em barril de carvalho. entre azaléias e madrigais, maria luiza preferiu três (pequenas) pedras de gelo. para dalila, nero é educado demais e fala no diminutivo. - homem que é homem não fala no diminutivo. maria luiza tem medo de morrer em uma esquina qualquer de botafogo. o ex-marido de adriana completou cinco anos de casamento com rogério. moram hoje em um belo sítio xamânico em vargem grande. - assim que sair o resultado do concurso do banco, eu começo meu mestrado em história do cinema. ou história do rio de janeiro? ou história do teatro? - lígia, antes de sonhar com o infinito, coloque o universo no chão. dalila ainda não contou a nero que é bissexual. lígia gargalha e bate na mesa: deus não dá ponto sem nó. - shhhh!, mandam parar. - eu não posso falar nada, maria, eu tive minha filha de um ex-marido viado. lígia cogita em se separar - mas só quando atingir o céu do funcionarismo público. não, não quero ser cliente do destino (toca no salão). acho que vou fugir para nova york, reclama dalila. - me leva? mais dois copos de uísque - e sem gelo dessa vez. eu não sabia se eu ia, se eu falava com ela, fica, fica (toca no salão). uma das habilidades escondidas de maria luiza é equilibrar pedras de gelo no nariz. lígia planeja entrar no guiness book como a mulher mais desinteressada pela vida diária. o aniversário de adriana é 20 de novembro - você precisa manter o emprego até lá, pra gente bebr de graça. - mas se ele é bissexual e eu também, a história sem fim não estaria completa?

sexta-feira, 30 de julho de 2010

o meu inferno é aqui, side by side com todos os meus demônios, os grandes, os pequenos e especialmente os atravessados na garganta

meu inferno é aqui, entre essas paredes que narram histórias de intensidade, altos decibéis e rasgos nos zíperes dos pulsos

meu inferno continua sendo aqui, mesmo quando alguém sorve o entardecer e mesmo ainda quando alguém amanhece em minha porta

meu inferno é constante e renasce nas fraturas expostas e nas tequilas violentas da lapa

querida, me conta uma boa história de dormir? que é para afugentar o medo de ladrão e vai falando, segue falando até eu fechar os olhos.
quando manuela se deu conta de que jamais havia amado alexandre, era tarde: o navio já era náufrago. no entanto, a manhã se mostrou tão mais clara ao entender que fora tudo ilusão qualquer, que se pôs a gargalhar: e riu, riu como há muito não ria. riu para abraçar outros, riu liberta, riu desamarrada, riu palhaça, riu galhofa. descobrir que aquele cultivado era uma farsa foi o bálsamo para suas chagas, foi a festa azul que tanto pedira, a música da estação certa que tocara exatamente quando - é tarde, nunca é tarde, já é amanhã, minha doce, vem brincar de ser feliz.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

tomo decisões como um náufrago.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

caminhar a dois

caminhar a dois, só
vai ser possível se
for cada qual pelo
próprio caminho.

antes que eu me perca na nuvem negra da sonolência vespertina
e que adormeça sobre os cobertores ao som da vinheta do vídeo-show
eu que sou minhoca já morta trafegando entre a fome dos peixes do pesque-pague
preciso te dizer que nosso amor nunca foi fome
nunca foi sede
sempre foi tédio
sempre não foi
ele que nasceu como um sim à vida
e que morreu como um talvez
numa tarde de sábado, peixe e tédio
no pesque-pague do bairro Saraiva


porcas borboletas

linha do tempo

dois meses para a criança correr livre em suas estradas, tintas e pincéis;

quatro meses para a adolescente ressurgir em toda a sua inconsequência em um festival de rock n' roll;

seis meses para a jovem navegadora apontar a gávea para outro continente.
acordei, revirei a cama e percebi, embevecida, que todo aquele amor fora embora.

assim, pela janela. em um estalar de dedos: ficou um estranho à espera.

terça-feira, 27 de julho de 2010

acontece que tenho como argamassa o sonho, e nessa construção sente-se extrema falta de um mestre de engenharia, já que as peças são colocadas randomicamente, como é próprio de todo sonho aliás. no entanto, estranha-se muito a falta do tal doutor formado, já que temos de sobra: distância, céu, pincéis, monstros de quatro cabeças e arco-íris no fim dos baldes de cimento; faltam os documentos da obra, o alvará para permitir a licença do projeto-final-sonho - os pedreiros, aliás, vâo e vêm quando bem entendem, deixando apenas uma bela moça sapatear em nas cores sobre a água - e os sonhos correm com os ventos, desrespeitando toda e qualquer norma regente de cossenos e logaritmos.
lembro de minha mãe, muito menina, com sonhos de ser grande e invadir o terreno do vizinho com notícias do mundo de lá; os olhos bem pretos espiando atrás da porta o que existia além da maçaneta e construindo pilhas de diários para serem derrubadas no momento em que a vida real subisse por seus vestidos de algodão puro - heliana nunca gostou de seda. lembro dela, docemente terrena, descendo as escadas com uma saia xadrez até os joelhos - estamos em 1968 - e a blusa de gola rolê vermelha com um desabrigado botão, encontrando olhares vãos até abandonar os seus nas luas de um castanho português. lembro dela dizendo, sem pudor do patético, que havia montado o seu ninho - o mundo que esperasse do lado de fora e fosse viver seus problemas & pagar suas taxas de incêndio.
o silêncio é livre para dizer o que quiser.

citando

e amar menos, eu sei que eu devia amar menos.



eu devia parar.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

fábula da gaivota

cansado de migrar, a cada inverno, para uma nova praia - esse movimento sul-norte já estava causando remendos para as asas cansadas -, o pássaro negro abdicou primeiro de uma pontinha da asa esquerda. ficaria mais lento que o bando e teria uma excelente justificativa para aquietar-se em seus castelos de areia (ultimamente, rasava mais sobre a terra que às águas). passada a primeira revoada, percebeu ser o esforço ainda inútil: cortou, então, um pedaço da asa direita. foi ainda inútil: as gaivotas foram criadas para voar, e lá estava uma espécime tentando gravar sua rebeldia ao chão. desesperado, o negro pássaro arrancou os dedos. estava livre, finalmente! uma vida plana, retilínea e horizontal: todos os caminhos ao alcance da vista. no inverno seguinte, assistiu da janela a todas as gaivotas voarem sobre suas telhas; sem dedos, sequer conseguiu mandar um abraço. foi melhor assim.

domingo, 25 de julho de 2010

frase do dia

i'm not telling
you it is going to
be easy, i'm
telling you it's
going to be
worth it.
from my kitchen
i smell notting hill's peaches
and peaceful folk saturday
when i used to walk until
hyde park devoured my foreign thoughts.

and now that i'm back.

sun goes into my window
into my skin
into my happiness
and says:
my dear, anything that you want
ever
is here, in london.

sábado, 24 de julho de 2010

the best time of the day

Cool summer nights.
Windows open.
Lamps burning.
Fruit in the bowl.
And your head on my shoulder.
These the happiest moments in the day.

Next to the early morning hours,
of course. And the time
just before lunch.
And the afternoon, and
early evening hours.
But I do love

these summer nights.
Even more, I think,
than those other times.
The work finished for the day.
And no one who can reach us now.
Or ever.

raymond carver

uma das melhores descobertas
da minha vida.

mais da sabedoria alexandrina

- dividir-se entre dois amores não tem nada a ver com poesia.
é o brega pelo brega.

e ainda mais: é subestimar a inteligência feminina.
anteontem, dormi tão cansada que acordei sem sonhos. (a menor distância entre dois pontos é uma reta, lembre-se bem disso). normalmente fui trabalhar, passei meus cartões, conferi a minha identidade - manteve-se o nome, sobrenome e data de nascimento -, confirmei a presença na aula de yoga, na festa de música alternativa no cair da noite, na agenda do fotógrafo interessante. aparentemente nada havia mudado: mesmo cabelo, mesmos olhos, mesmas tatuagens. ao atravessar o cabo da boa esperança, já estava no quinto sono em casa (o cadáver no sofá). pela segunda noite seguida, nada de sonhos. acordei preocupada: a paz por uma noite do guerreiro sadista que ocupa a primeira parte dos meus devaneios foi bem-vinda. mas nós nunca assinamos um termo de separação definitiva - aliás, teria sido ele o responsável por roubar meus sonhos? essa noite não dormi. querendo sonhar, esqueci do sono. olhei para o teto, para o chão, contei meus dedos - estavam os dez ali -, as orelhas, as manchas de nascença e as de aniversário; liguei para amigos no auge do desespero, mas dizer o quê? 'você tem alguma droga para resgatar sonhos perdidos no meu oceano laranja?'. às oito levantei, almejando conforto em qualquer saída de incêndio mais próxima. resultado? os dias sem sonho provocaram irritação e semáforos fechados.
você bem que podia perder esse seu medo de me amar.
desenhar ilhas de tranquilidade no espaço:

estado semi-delirante de fios
desencapados.

matizar

respirar bem e sempre: ensina-me o professor
aos sábados, oito da manhã
onde vão parar os suspiros, os arquejos, os tropeços
os vãos e as brisas?
segurar as pontas
dos dedos do horizonte para
alinhavar as descobertas em filas:
homem, o céu brinca de morder as palavras
enquanto fragatas são desmontadas
e recriadas
em estradas alaranjadas.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

telegrama

MÃE VG

VEM RESGATAR MINHA INOCÊNCIA PT

FALTA DELICADEZA NA CIDADE PT ALIÁS VG EM TODA A REALIDADE PT

L PT

inspirada por raymod carver

medo de não conseguir fugir
medo de perder a mão direita
medo de meus amigos desaparecerem em furacões
medo de ser acordada por notas fiscais
medo de perder os olhos verdes de cecília
medo da orelha esquerda cair
medo do fracasso
medo da redundância
medo da falta de assunto entre os casais
medo de minha mãe não mais me reconhecer
medo de monstros em lagos poluídos
medo de acordar sem olhos
medo do guerreiro de flechas em meus pesadelos
medo do dicionário burocrata

medo de esquecer os sonhos em casa.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

marcos já tinha bebido, vomitado, esgarçado a pele dos cotovelos, dormido na esquina - até acendido vela na encruzilhada da casa da mãe com a vizinha, que o surpreendeu na madrugada, 'quer um cházinho, meu filho?' - quando ouviu falar de um livro. ouviu falar, não: ouviu bem dito, recomendado pela amiga que já não aguentava mais pagar a conta do bêbado. "é um livro muito bom, marcos, minha chefe me recomendou quando vovó tininha morreu, ficou aquele azedo na família, eu mesma não sabia direito para onde ir, e se você quer saber, não é auto-ajuda não, marcos, é uma leitura totalmente diferente, que te faz entrar no seu eu, lembrar de suas vidas passadas e até olhar diferente para o futuro, assim, uma coisa de pele mesmo".

na quinta-feira, com a previsão de um fim-de-semana de sol no rio de janeiro - ela escorrendo pela geladeira -, com picos de quarenta e quatro graus na cidade maravilha - ela abrindo todas as portas -, e um prospecto de bares entupidos de CASAIS sedentos e FELIZES, a única saída foi o caminho da liberdade.

era um livro curto: setenta e cinco páginas. frases soltas. muitas perguntas - poucos verbos no imperativo. marcos - os dez quilos a menos tinham-no transformado em um garoto chorão; a barba por fazer o confundia com um pedinte qualquer de botafogo - abriu na página 49.

uma pergunta:

se você tivesse que escolher agora, qual teria sido o momento mais feliz de sua vida?

como um trailer de filme b, cenas de luiza foram se sobrepondo: luiza tomando banho - corta para - luiza cozinhando omelete - corta para - os peitos de luiza - corta para - luiza e marcos comprando um beagle - corta para

marcos, enquanto você se fodia limpando cocô desse beagle hiper ativo que comeu - e regurgitou - a planta do projeto da odebrechet, eu conheci um norueguês que vai me pagar uma passagem para rodar a europa, um be-

página seguinte:

o que falta hoje para atingir esse momento de felicidade plena?

já que sem luiza jamais viveria e luiza jamais teria novamente, marcos, sentado em um banco às duas e quinze de uma quinta-feira na voluntários da pátria, considerou duas possibilidades: a) virar pastor e entregar o corpo a deus ou b) virar veado. ambos os casos seriam complexos e passíveis de análise já que marcos era a) ateu e b) nunca tinha considerado outro ser na sua vida sem ser luiza. haveria curso? talvez fosse o caso de procurar o conselho psicológico da odebrechet.

abriu em outra página do caminho para a liberdade:

profundas mudanças exigem grandes esforços.
meu amor, há horas em que a literatura invade a vida e nem o mais sereno dos pescadores consegue conter o entusiasmo ao ler hemingway.

no papel, gotejam os sonhos; as palavras gostam mesmo é de realidade fingida: a declarada no imposto de renda tem uma barraca de abacaxis e nunca naufragou em piscinas de segredos.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

pausa

da sabedoria alexandrina, mordaz e feroz, quando reclamei (baixinho) que não sabia exatamente o que fazer da vida:

- mas você não estava sempre reclamando ao pé da página que queria ser cineasta?

é, mas agora subiu um calor de correr mundo, de trucidar umas certezas vazias, escorrer palavras para começar outras frases, pintar umas pirâmides. sonhei com a índia ontem: percorria, de barco, pelo ganges, o país inteiro, de cima a baixo, com um caderninho de poemas e uma máquina fotográfica. na semana passada, sonhei que estava na itália, com ele, meu querido ele, na nossa máquina de criar esferas noturnas. cansaço de trocadilhos vazios, salas de cinema vazias, mesas de bares indispostas. a tarefa de criar necessidades diárias já é suficientemente árdua para tornar-se também tediosa - vou ali fechar as cortinas e desaparecer por essa janela de santa teresa.

fui comprar cigarros - ainda que tenha parado de fumar. (sabe como é?)
mantenho guardada em meu bolso a imagem de seu rosto quando me disse get out of town before it's too late, my love. tão lúcida, tão limpa - tinha uma mania de limpeza portuguesa e burra (nunca conseguiu tirar completamente o mofo dos meus livros, quando todo incipiente a bibliófilo sabe que bastam algumas horas no congelador). mas como boa portuguesa também tinha as bochechas altas e vermelhas, a pele vinho envelhecida enquanto serpenteava uma beleza de quem ainda não tem mistérios - a vida ainda não me trouxe nenhum mistério, meu amor, ela repetia enquanto corria os dedos -, quando punha o vestido notívago e saía para me ver. chegava discreta, sentava-se ali, onde você está agora, e tinha como diversão encher as unhas de poeira da estante: dizia substituir terra por palavras. as pernas, enormes, eram o divino estado da graça e subiam às bibliotecas de Borges, aos céus do grande Alexandre e terminavam em meus braços - éramos felizes. fomos, melhor dizer. um dia, se bem me lembro, minha portuguesa cansou da ausência de minhas promessas e me entregou um bilhete de trem, assim como você me entregou esse guardanapo agora. o que eu iria fazer? quando uma mulher de tamanhas pernas violáceas manda um soldado retirar-se e ir embora da cidade, ao pobre homem só resta obedecer e encontrar outra boa mulher. talvez não tão portuguesa, talvez não tão burra. mas outra, apenas. assim, como você.

terça-feira, 20 de julho de 2010

resposta a p. cezar

não sou literatura por pura
(redundância?)
ignorância.

meus braços não são versos:

silêncio.

meus olhos não são vírgulas:

baús.

completa:

nostalgia,
medo
e tenho a pele vermelha
de fracassados mistérios.
a vida a passos largos:
dois pra lá, dois pra cá.

quando a noite se despedaça
em grãos
restam só devaneios.

sabedoria alexandrina II

cerre sua
doçura de relance
quando falo em
pragmatismo.

sabedoria alexandrina

seguindo conselhos de alexandre:

é preciso parar de ser romântica.
(de construir castelos em
águas turvas).

a fim de debruçar-se sobre uma vida prática:
(pacata?)
REALIZAÇÕES.



mas meus reais todos nascem
de romances baratos!

paulo despindo elucubrações: por onde anda nosso espírito quando não estamos olhando?

[ infelizmente, ou melhor, por força de um café adocicado e provocador de náuseas, perdi-me nos fios loiros da memória ]
escrever é tornar
felicidade
sociedade pública.

as palavras sobrevoam minha resistência.

domingo, 18 de julho de 2010

pássaro, pássaro, pássaro, o surfista prateado repetiu como quem não pudesse acreditar. [ era pássaro porque sempre fora livre e voou para longe; era prateado por ser único e apenas seu o encontro com o mar ].

falaram das ondas purificadoras e traiçoeiras, da música que tocava constantemente em décadas passadas - você ainda escuta aquilo? - e dos planos, constantes e infinitos, de tornarem-se melhores animais. eram isso e apenas: um pássaro e uma onda que, ao sair da água, virava surfista. prateado.

(abraços tão azuis que ele ficou com medo de sufocá-la; eis que o pássaro responde: se servir para algum pedaço meu ficar contigo nessas tuas ilhas...) sobre os travesseiros, o pássaro deixou um par de brincos com luas nas pontas.

o pássaro, condenado a carregar consigo o bando de gaivotas, cedeu uma ao surfista para que guiasse o seu caminho pelas tortuosas vias de correntezas e ventos. (e secretamente, pediu à gaivota que voltasse todas as noites para soprar em quais mares do mundo a onda prateada anda deslizando).

o dia em que o tempo deixou de existir: quando um pássaro e uma onda se encontraram.
o pássaro, como se o tempo jamais tivesse corrido seus relógios, desceu às águas do surfista prateado e desenhou delicadezas na areia.

(ainda que, um por mar e o outro por céu, ambos sigam rumo ao sul)

terça-feira, 13 de julho de 2010

no dia mundial do rock

marcelo percebeu que estava apaixonado por alice quando ela cantou, sem errar e sem desafinar, todos os versos de would, de alice in chains, ainda que ambos tivessem derramado uma garrafa de uísque às costas cansadas.

a felicidade era, todos os vinte e nove de junho, sentar ao seu lado, na cadeira de plástico e sem braços, e acompanhar, da minha voz rouca de já tantos marlboros, fuck forever, do babyshambles, para, ao final, segurar sua mão e rirmos juntos, desafiando os céus: fuck forever.

lembrar dos cachos dourados daquele surfista prateado é ter a voz de bob dylan em hurricane ligada no máximo, na manhã de uma quarta-feira atrasada.

dançar touch me, do the doors, ao lado de guilherme, nunca foi tão bom. da mesma forma que, encostadas ao muro sujo de um condomínio, duas meninas tinham as angústias perdoadas por all i really want, de alanis morisette.

chegar atrasada no colégio por assistir, repetidas vezes, ao novo clipe do nirvana, onze anos depois. e ser o único assunto por semanas.

costurar as madrugadas à voz de lou reed.

fazer amizade com estranhos na barra da tijuca para chegar mais perto de scott weiland.

reconhecer, antes da torcida do flamengo, os acordes de back in black, do AC/DC, na voz de shakira.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

família

minha mãe via morno
cheiro de chuva nos dicionários de latim
enquanto meu pai contabilizava
quantas felicidades haviam passado
por debaixo da porta.

minha avó me ensinou desde cedo a
costurar dores antigas para
abrir espaço às novas
enquanto meu avô ocupava-se de contar
estrelas para assinalar quantas haviam nascido
desde que roubara mais um sorriso.

meu irmão sempre preferiu o
nanquim solitário das madrugadas
às poesias estapafúrdias e descalças
da irmã menor.
nessas noites assim, em que não consigo dormir e sangro, sangro, sangro diante do papel, uma pergunta não sai da cabeça:

- onde foi que escondi as chaves das minhas liberdades?
pedro,

há variações de luz em todo o céu, em diversos tons: os de ontem, os de amanhã e ainda sobre os que nunca serão.

domingo, 11 de julho de 2010

escrever:
navegar por sensações turvas.

memórias

- fios de náilon

sequer chegam a lugar algum

mas
como todo prazer fugaz

(a maré cheia das histórias de ontem)

cobrem de areia
os azulejos da minha
nostalgia.
retirar a pele dos sentimentos antes de transformá-los em palavra.

sábado, 10 de julho de 2010

em meio a tornados e outros dissabores, deixei uma carta pontilhada em vermelho debaixo do seu silêncio.
salvador é minha moscou.
o mar me corrompe:
veloz.

*

à ponta do meu nariz erguem-se
histórias absurdas

*

o meu azul é projetado em delicadezas

*

minhas bibliotecas afundam em todos os meus desesperos

sexta-feira, 9 de julho de 2010

o náufrago recebeu um pecado como resposta aos seus silêncios.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

para alexandre

(ainda em santos)

não sei explicar essa angústia travada; os minutos andam, correm, avançam com mãos e cinturas, e eu nada faço além de. tenho medo de notícias que sequer foram confirmadas; acho que é isso, xan: tenho medo. de invadir, avançar, pular o muro, dar um telefonema. reclusa, as palavras escorrem em receitas estapafúrdias de solidão e recalque. não sobra nenhuma sequer para contar uma história mundana. como foi o seu dia hoje? fico muda, as palavras se foram. como se faz, hein, xan? como se faz para delinear uma vida inteira: por onde se começa, pelas toalhas? separá-las por cor, lavá-las, estendê-las, organizá-las e enviar para um bordado finíssimo com as iniciais?

faz muito tempo conversávamos onze horas in a row sobre morte em veneza, henry miller e uma futura possibilidade de dinheiro certo. thomas mann pouco andou em nossas vidas, mas miller continua ao lado da cama e eu ainda me espanto como ele consegue escrever em meio ao caos profundo. miller emerge do caos. será que conseguiremos?

xan, o maior medo é o engasgado; não quero sair de casa, quero diminuir aos poucos, esvanecendo, deslizando, escorrendo, até sumir. virar pasta pouca, massa. perder as unhas pelo caminho, desgarrar das cortinas, esquecer da terra nos dedos. há um jornal despedaçado embaixo do sofá, com fatos da semana passada que ainda parecem tão novos.

vou segurar as pontas por aqui, e qualquer novidade eu aviso. não farei teste algum - devo agüentar a manhã para me dizer por onde.


nos falamos,

m.
sempre que tento fugir
encontro seus braços nas
cortinas
portas
arames farpados
postos de gasolina em botafogo.

(motéis)

anda, me escreve uma carta
enunciando, uma a uma, as razões para não.

sei, desistiu.

o desfôlego invadiu a praia
e atrapalhou o trafegar dos navios

- os fenícios já usavam as âncoras para agarrarem-se aos tornozelos das mulheres amadas
pena que não amavam:
só os interessavam o comércio local.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

já em santa teresa

é, só eu sei quanto amor eu guardei, sem saber que era só pra você. é, só tinha de ser com você, havia de ser pra você, senão era mais uma dor, senão não seria o amor - aquele que a gente nem vê, amor que chegou para dar o que ninguém deu para você.

é, você que é feito de azul, me deixa morar nesse azul, me deixa encontrar a minha paz, você que é bonito demais.

se ao menos pudesse saber que eu sempre fui só de você e que você sempre foi só de mim...

parafraseando

fotografei você pelos meus apostos.

revelou-se a sua enorme ingratidão.

terça-feira, 6 de julho de 2010

roda, tempo, continua e caminha a pés largos. escreve e não lê: ignora o andar das carruagens, do caminhão de lixo e a fofoca da vizinha do 302. tempo, vai comprar delicadeza na padaria mais próxima enquanto seu princípe não vem e vem me contar, daqui a cinco minutos, se ainda chove lá fora. tempo, tempo, quanto ainda falta de asfalto para cobrir todos os buracos daqui até montevidéu? daqui até moscou? daqui até portsmouth? tempo, vê se resiste bravamente à tempestade que se anuncia lá do flamengo, destruindo sonhos e quadros negros e pondo todos, nomeados e desdentados, a remar.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

durmo no sofá desde quando você foi embora; a cama ainda tem seu cheiro, seu nome, sua estrada. a madeira me conta dos passados dos seus dias e das novas mulheres por quem você tem se apaixonado. o sofá é quase como rua: perto da janela, sem intimidade, sem braços à procura durante a madrugada; de lá não se acorda - a vida urge, logo levanta-se. a saudade rasga um pouco o antebraço esquerdo e até vejo algum sangue no chão, mas não tem nada, não, amanhã é outro dia e o despertador já está prestes a tocar.

domingo, 4 de julho de 2010

diário de viagem

em santos, o senhor perguntou a manuela:

- mas por quê você está sozinha?

cansada de responder a mesma pergunta, manuela suspirou:

- alice morreu. minha irmã, alice, morreu.

(era mentira - não havia qualquer alice)

as curvas nas estradas de santos não são nada demais; o peculiar daquela cidadezinha do interior é a ponte. há uma maquete no lugar da ponte que, finalmente, ligará as cidades vizinhas. à noite, quando o trânsito das barcas cessa, os casais santistas se apóiam na maquete para planejar o amanhã, uma linha sem trânsito, sem filas, sem espera, sem a procura por moedas perdidas no bolso; um dia promissor, avante, concreto e moderno. eles esperam, à beira da maquete, a ponte.

manuela sobre o nome alice: gostava de como a fonética caía sobre a noite, invadindo-a. manuela era nome solar, de recolher raios de sol e agonizar em corredores brancos. alice era mais lúcido; uma alice pode até se enganar, mas porque quer desaguar no desencontro. alice tinge as palavras, percorre labirintos - manuela não consegue descobrir as palavras certas. escapam, escapam a ferro-quente.

um segundo senhor apareceu. pergunta:

- o que é, timidez ou insegurança?

manuela, árida:

- um pouco dos dois.

o senhor, insistente:

- o que foi? tem medo que eu roube esse caderno e leia o que você está escrevendo?

(um adendo: isto realmente aconteceu. não é literatura)

manuela, esquiva:

- não escrevo nada de importante. pode ler, se quiser.

o homem pede desculpas e vai embora, esguio.

a estrada de santos não tem curvas; apenas uns imbecis fingindo desespero, anota manuela.


sábado, 3 de julho de 2010

pensei em comprar um desejo; até fui à loja, mas na hora de escolher, não sabia se levava para casa as palavras ou os sentidos. acabei com um sorvete nas mãos.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

quando cheguei em casa, a porta estava aberta
invadi, mesmo que com medo,
a própria cozinha:
mas não havia ninguém.
(mesmo)

meu amor,
eu realmente esqueci de trancar as fechaduras.
pelo vão, passaram-se anos,
quadros, corredores,
copos de vidros,
labirintos de fauno,
crianças correndo em branco.
com isso,
escorreram-se grãos de desejo e delírio
delineando, delineando
com amplas finalidades.

meu amor,
te espero naquela ponte,
entre os lagos de brasília
e as construções do céu -
entre a minha desfolha virgem
e sua revoada ao chão.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

solidão é ser feliz às quartas-feiras.

bilhete de viagem

de: m.
para: g.

eu sei que está tudo bem contigo e eu tento não me incomodar, mas tem uma dorzinha aqui no peito, criada na saudade de organizar revoadas de estrelas no seu deserto.

diário de viagem

life floats as one walks across the universe.

terça-feira, 29 de junho de 2010

(anotado em um guardanapo)

meu amor, como nós atropelamos a vida!

diário de viagem

(em alto-mar)

my beloved,

escrevo desse distante, já sem bússola (mas a lua apareceu nesse céu tingido de preto e parece que irá me guiar até a terra mais próxima). aqui em alto-mar fazem 17º; o oceano está calmo agora, apesar de hoje à tarde termos batalhado contra algumas tempestades. (numa dessas, pensei até que fosse virar!) o rádio está quebrado - estou sem qualquer comunicação com o mundo real; havia desejado tanto isso antes, quando ainda estava em terra, e agora, conviver com o silêncio é engraçado (ele é um companheiro bem atento). para distraí-lo de seu notável mau-humor, ligo o rádio a pilha (graças pelas fábricas não terem acabado de fabricar essas belezuras!) e coloco um disco que há muito tempo você me deu (lembra?); chama-se Rowdy Seagulls.

de todas as músicas, me surpreendi apenas com uma: como você poderia imaginar que Perfect Day deixou uma cicatriz no meu ombro esquerdo? nos dias em alto-mar que fazem sol, desço à cozinha do meu querido navio e pego uma garrafa de vinho, tiro a roupa e deito na proa, imaginando que todo o mundo depende apenas da revelia dos peixes e seus horizontes, e ouço Lou Reed me dizendo baixinho "is such a perfect day, i'm glad i spent it with you, you just keep me hanging on", e me lembro de todos os seus torpores, dos seus dias e das suas noites, dos seus olhos e dos seus abraços; lembro também de olhar distraidamente para as suas estrelas e pensar (bem baixinho, para parede sequer ouvir): "you are warm as happiness". You smell like Lou Reed's songs. But I bet you know that.

no mais, sigo rumando sem direção certa (agora, estamos navegando a E 22o 24o 40o), mas a qualquer momento que você queira dividir uma taça de vinho e visitar o barco (está um tanto quanto bagunçado e cheira a baleias de Hemingway), consultarei minha bússola e iremos, eu e Lou Reed, te seqüestrar e te mostrar como é lindo o pôr-do-sol a bombordo.

um beijo de marinheira,

m.

domingo, 27 de junho de 2010

diário de viagem

(entre são paulo e santos)

a nostalgia é meu veneno anti-monogamia.

diário de viagem

"o mais difícil de ser poeta é não cortar os cabelos: não sair por aí a cada crise versal (provocada, momentos antes, por gotinhas de existencialismo dropping out of the sun), recortando a aparência na esperança vã de surgir um alguém novo da cadeira do cabelereiro. a arte de não ceifar a barriga quando dali não vai sair nada mesmo, nem pleonasmo nem crase nem antítese quanto mais golias saracoteando contra os davis da vida (as nossas memórias ressecadas, diga-se de passagem)."

na porta da rua augusta, manuela, a escritora em trânsito, achou os travestis da lapa mais bonitos (mais harmoniosos, o silicone é a mesma merda derramando pelos tops coladérrimos, mas as cariocas têm menos pêlos) e os labirintos paulistas mais arredios (é mais fácil se achar no rio de janeiro). cogitou entrar em uma dessas casas de molecas safadas da noite, para ver se conseguia algum dinheiro fácil, mas a coragem inicial virou vergonha três minutos e vinte segundos depois.

na descida para a consolação, pensou ter visto os cabelos ruivos de g., e apressou as botas: subiu um sangue à garganta. o que a intrigava não era saber onde ele havia estado todos esses anos ou por que (uma razão, apenas uma!) havia desaparecido da vida da escritora instável, mas uma curiosidade mórbida, uma nostalgia atrofiada, um apreço pela memória desandada: como é que ele está? (será que ficou muito fodido ao perceber que eu não estava lá?) manuela desceu são paulo a passos largos. não era ele. sem problemas: vamos dar uma volta em vila madalena, ali pela cardeal arcoverde.

quando o metrô abriu - quatro e quarenta da manhã -, manuela anotou no seu caderninho: são paulo não me ensina a fazer poesia.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

de passagem

(né por nada, não, mas a realidade só existe para ser desmentida.)

quarta-feira, 23 de junho de 2010

manuela está de ressaca e planeja desaparecer por alguns dias - trinta, pelo menos.

até a volta.

dear nathalie,

ando morrendo de medo: medo de me perder no marinho e depois me encontrar perdida na estrada. recuo, como atriz já desgastada do palco. sinto tonturas estranhas, falta de equilíbrio, um sono que não passa nunca. i could sleep for thousand years - a thousand dreams that wouldn't wake me.

estou precisando mesmo viajar: imagina o outono carioca ao descobrir my dark secret? WATCH OUT: they won't forgive me. vou ter de fugir, pedir asilo à mansão de três andares no brooklyn. sinto uma ardência estranha no ventre. o baixo gávea anda tão down, tão low, super low, que até queria voltar a desenhar: posso pintar um quadro seu? prometo que não estrago teus olhos de chuva.

i'm lost so goddamn lost: persigo a faculdade de história? começo uma pós-graduação em tradução literária inglesa? ou me caso com um herdeiro rico de ipanema? você - imagino perfeitamente a cena -, vai passar os dedos no cabelo loiro platinado, empurrando-os atrás das orelhas e insinuar um "olha…". ok, my dear, i get it: it's up to you, new york, new york. susan miller previu um junho maravilhoso - ainda estou à espera. estou. a esperar, mesmo. da minha janela, avisto um navio prestes a zarpar: olha o meu medo se instaurando mais uma vez, repetindo "cuidado, é preciso cuidado com amores de antemão, que prometem cuidado e entregam lembranças". agora estou sozinha na produtora - nem sinal de silêncio, contudo.

para você: estou usando os cabelos presos e repartidos ao meio, uma blusinha meio demodé cinza, caída em longa cauda, uma calça preta e uma blusa black de quadrados azuis e brancos. all the same, as you might say. a verdade é: as estradas nos perpassam, enquanto nós ficamos brincando de inventar o infinito. nathalie, abre essa sua porta, anda até a rua na frente da tua casa de tijolos vermelhos e sente o vento quente da noite dos estados unidos da américa: sou eu te abraçando, minha amiga. deveríamos fazer isso mais vezes: contar nossos segredos e despudores. você casou mesmo, de verdade?


luv, luv, luv, always,

m.

terça-feira, 22 de junho de 2010

dias chuvosos e solidão
sem cigarro a noite escorre adentro
scared of thunders - can you hold me, babe?
olha,
o ministério da saúde adverte:
o medo é prejudicial aos vícios
aos ofícios, aos lençóis e às promessas de -
vou te contar, os olhos já não podem ver
o cheiro de água invadindo minha sala
levando com o marinho os livros, os discos, os brincos quebrados
para surgir, através do espelho
uma outra mulher
folheada em versos
proseando pelas ruas da gávea
walking on the wild side.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

há, decerto, uma calmaria: consegue escutar aqueles poucos passos, lá ao fundo das cortinas? talvez seja um horizonte futuro se anunciando, cantarolando lou reed em tardes furtivas. o certo é: criamos essa bolha, louca, metamorfa, prosada em versos e descortinada em manhãs, onde existe apenas o que desejamos que exista.

queremos azul? o azul existe. queremos relógios? criamos o tempo. queremos confetes? o universo poderia caber em seus lábios - e o trafegar das nuvens é lento, cordial e amistoso.

para registro futuro:

(nesse bilhete marmelo endereçado a janelas distantes)

o maior amor do mundo se esconde atrás de lilazes e gaivotas e dissipa desejo através de palavras e abraços.

domingo, 20 de junho de 2010

quando o portão abriu, respirar estava difícil: em um entorno de medo e vergonha - por ter olhos tão grandes, sorrisos amarelos, mãos, expectativas, perguntas, tantas perguntas. queria saber tudo. mas sem incomodar. sem provocar amargor - seria possível? assim, como quem pede desculpas, sentei-me no sofá, olhares na linha do chão, o que fazer diante do tanto? eram curvas que se me apresentavam ali: curvas de um passado sobre o qual navegar, curvas na memória, curvas de amor & desamor, curvas de tempo perdido e passado. falamos de manoel de barros, de godard, de manuel bandeira, rimos um tanto aqui e outro ali, dos homens que jamais deixam de ser meninos, das meninas que invadem e tornam-se mulheres à revelia de quem vê, de moças cariocas-inglesas. restou a sensação de tempo que nunca vivi: mas está aqui, agora, preso nos meus dedos, sem escapar.

sábado, 19 de junho de 2010

as lou reed used to say

jesus, help me find my proper place
jesus, help in my weakness
'cause i'm falling out of grace.
uma sensação de farsa mesmo, sem qualquer contato com a realidade nem com a moral; a intenção, aqui, é apenas fazer rir. abram as cortinas, ladies and gentlemen! the show is about to begin!

na superfície das águas, o que resta, então, não é qualquer sentimento prévio, mas a confluência de interesses - sem preocupações com os alhures.