quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

a manhã nasce da sua
boca, esfarelada e monocórdia
todavia nunca carrega
as mesmas cores

no entanto,  desse fio 
nascem seixos

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

E mais uma vez estou num ônibus para São Paulo; uma gangorra. Pacientemente deslizo os pés entre as argolas de metal a fim de que o peso recaia sobre o outro lado. Não adianta muito. Paira por aqui uma nuvem de palavras, espessas e escorregadias. Estive uma vez em companhia de Elvis por toda a Dutra; ele estava no Havaí e tocava ukelele. Elvis nunca esteve em Vegas - sua casa sempre foi Honolulu. Elvis de Vegas é chato, ridículo, previsível. Elvis de Honolulu tem um toque de rum. Ainda não chove, mas a vidraça está suja de gotas d'água. Água de outros dias. Aos meus pés, um senhor de fios dourados; os postes ainda estão acesos. Eisenstein: um plano deve carregar em si uma parte da informação referente ao todo da imagem e ao justapor este a outro plano, também esse carregado de informação imagetica do todo, mas sendo uma outra parte da forma, atinge-se a ideia do filme. O todo. Os vidros sujos. Os guindastes solitários - gruas, gruas - do porto, erguendo seu gigantismo sobre o negro nada. O reflexo do postes acesos ainda sobre duas bolas castanhas.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

a uma semana de encerrar a temporada na praia, o coração percebe-se menor. um ano e meio de são paulo é suficiente para dizer: não há nada como o sal. há pessoas feitas para o concreto, há pessoas feitas para a areia. lição apreendida. as águas mapeadas são mais tranqüilas que a terra e se nos mantivermos quietos, estaremos longe e ainda dentro. de todo modo, é preciso dizer adeus para o navio seguir viagem (i.e. meditar à condição de náufrago). continuemos as atividades: pôr e retirar palavras, pôr e retirar lençóis, pôr e retirar arbítrios. levo comigo a água: nos poros, nos fios, no fígado. é preciso um largo fígado para encarar esta cidade. existem deuses e eles pairam. o meu é o mar.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Estou andando por essa sala de pedra. Penso na história da barraca (você sabe): tínhamos acabado de nos separar e eu ocupava o menor quarto da nova casa. Se abrisse completamente as pernas, atravessava as duas portas. Minha mãe estendia uma corda de varal parede a parede (como ela pendurava? a memória goza de truques baratos; agora parecem soltos no ar, fios desencapados) e por cima, um lençol. Comigo, uma lanterna, um par de binóculos, um livro e um toca-discos recém anos-90, lilás, trazia ainda a gaveta para a fita k7 e antena (infindável em suas dobraduras) das ondas do rádio. Nessa cabana, nesse mundo, o rei era Lupicínio Rodrigues. Dormia no chão, à sombra da casa que fica detrás do mundo, onde se chega em um segundo quando se começa a pensar. Mundo mundo vasto mundo. 

Daqui do sítio vê-se a montanha que os homens construíram para alcançar a lua. Esqueceram de separar a madeira, porém. É preciso conhecê-la, saber de sua raiz se é furiosa ou arredia. Poucas coisas no mundo deveria importar mais que a construção de uma canoa: os homens trazem logo suas bandeiras.